domingo, 21 de setembro de 2014

Gota D'água Entrevista


O Blog Gota d'água entrevistará pessoas relacionadas à política, educação, cultura, meio ambiente. Nosso primeiro convidado tem raiz petrolandense. Professor do curso de direito e Relações Internacionais na faculdade ASCES, Emersom de Assis atua ainda no comitê de pesquisa n°09 (estudos judiciários) da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA - International Political Science Association).As perguntas foram feitas por mim, Daniel Filho, e George Novaes por e-mail. A entrevista se dividiu em dois blocos: uma análise do cenário político nacional e outro voltado para a política municipal.



Daniel Filho  -  A proposta é sempre iniciar a entrevista cedendo o espaço para o entrevistado se apresentar. Fique a vontade.

Emerson de Assis - Nasci em São Paulo, mas resido em Petrolândia desde os 10 anos de idade. Tenho orgulho de ter o sangue dos primeiros habitantes da nossa região, seja dos índios Pankararus, mas também dos primeiros colonizadores portugueses que habitaram permanentemente nossa região. Terminei o ensino médio na Escola de Jatobá, depois me formei em Direito na Faculdade ASCES em Caruaru, por fim concluí Mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Sou professor do curso de Direito e Relações Internacionais na Faculdade ASCES e trabalho também na Faculdade Raimundo Marinho em Penedo-AL. Atuo ainda no Comitê de Pesquisa n.º 09 (Estudos Judiciários) da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA – International Political Science Association).


POLÍTICA NACIONAL


DF - Como você analisa as manifestações populares acontecidas no primeiro semestre do ano passado. Quanto elas podem ser responsáveis pelos resultados das eleições desse ano?
EA - Entendo que estas manifestações decorreram da demanda, principalmente dos jovens brasileiros, pelo acesso a direitos fundamentais e melhoria dos serviços públicos, uma geração vista como apática por muitos, mas que de repente acordou. Acho que também foram um reflexo do aumento do nível educacional da juventude, cada vez temos mais alunos no ensino superior e isto tem uma consequência no aumento da conscientização política. Não foram protestos contra algum grupo político específico, mas de caráter muito geral e difuso, por isso, são muito difíceis de serem capitalizadas politicamente. As manifestações já estão influenciando as eleições, principalmente no tocante ao discurso da mudança, mas dificilmente vão determinar exclusivamente o resultado final do pleito, afinal, candidatos à reeleição estão bem posicionados em todos os níveis, federal ou estadual, parlamentar ou executivo.

George Novaes - As reformas marcaram presença nos discursos dos manifestantes que tomaram as ruas do Brasil em junho de 2013. São anos sem avanços, será que desta vez algum dos prováveis vencedores ao executivo nacional podem realizar o desejo do povo brasileiro?
EA - Sou pessimista em relação a isso. Nenhum candidato presidencial se vencedor, seja dos favoritos ou não, terá força política em alguns casos, ou mesmo “vontade” em outros, para realizar reformas políticas profundas, como demandadas pelos manifestantes. Acredito que uma reforma política só seria possível com pequenos passos ou com uma nova Assembleia Constituinte, convocada e eleita para este fim.

DF– Todos os candidatos colocam a educação como prioridade, mas nenhum discurso e projeto objetivo é apresentado. Falam em valorizar o salário do professor sem dizer como, em garantir plano de carreira sem especificar o método. A que se deve esse esvaziamento nos discursos?
EA - Ao fato de que ninguém quer se comprometer objetivamente com nossa nobre carreira. Acho que para além das greves, que cada vez tem surtido menos efeito, os professores devem mudar a estratégia e realizar um “lobby” no sentido positivo, elegendo candidatos que estejam comprometidos com pautas objetivas e concretas para a carreira.

DF – Discurso que também está muito presente na fala de todos os candidatos é referente ao NOVO. A você o que, de fato, há de novo nas propostas de cada um dos candidatos?
EA - Na minha opinião, não existe nada de realmente novo nas propostas que estão por aí, com pouquíssimas exceções. Friso que este é um problema não apenas de nosso país, mas do momento mundial em que vivemos, mesmo nos países “desenvolvidos” se reclama da “falta” de novidade política. Estamos numa época de transição mundial e ainda não sabemos para onde iremos. Acredito que apesar de tudo, o Brasil esteja melhor neste quesito: estamos melhorando a educação (a passos lentos, mas isto está acontecendo), cada vez mais pessoas tem acesso ao ensino superior e isto tem permitido o surgimento de novos quadros políticos e que também a população adquirir maior consciência na hora de escolher seus representantes. Enfim, somente através da educação, virá a “novidade política”, portanto, não é uma coisa que acontecerá em curto prazo.

DF – Faça uma breve visão pessoal de cada um dos principais presidenciáveis e escolha algum dos menos cotados para comentar postura, discursos, projetos...
EA - Em relação aos três candidatos principais, minha avaliação pessoal é a seguinte:
Dilma Rousseff: tem perfil gerencial e desenvolvimentista, não é uma política no sentido de negociadora partidária, mas uma técnica burocrática com pouco carisma. Representa a continuidade do projeto político do PT, focado em melhoria dos indicadores sociais e manutenção da ordem econômica neoliberal “amenizada”;

Aécio Neves: típico político brasileiro, de família com tradição no meio. É o representante do projeto político tucano, embora seja visto com reservas pela ala paulista do partido. Seu governo representaria uma volta ao neoliberalismo “cru” que o país viu durante os anos FHC;

Marina Silva: líder política com grande capacidade retórica e um passado de brilhante ativismo social e ambiental. Vejo seu discurso um pouco paradoxal; mistura ecologismo, conservadorismo religioso, neoliberalismo e discurso moralizante apartidário, uma verdadeira salada. Seu governo teria dois caminhos: ou fazer o velho jogo de interesses dos partidos nacionais ou ficar paralisado;

Entre os candidatos minoritários, escolho Luciana Genro: candidata com muita coragem e discurso coerente, que defende um projeto inclusivo e socialista de governo, e sabe apontar as falhas que houveram durante os governos tucanos e petistas. Porém, pode cair na mesma armadilha da governabilidade que Marina, se vencesse as eleições.
Quero deixar claro que votarei em Dilma Rousseff. O governo petista conseguiu importantes avanços em áreas como melhorias dos indicadores sociais, ampliação do ensino técnico e superior e universalização do atendimento médico. Evidentemente que tenho algumas críticas quanto a atual gestão, não necessariamente em relação a corrupção, que infelizmente está disseminada em todos os espectros políticos, mas por exemplo: a timidez na realização de reformas políticas, regulamentação da mídia, apoios a banqueiros e empresários que mais tarde viraram as costas ao governo nas eleições.

POLÍTICA LOCAL

GN - Recentemente em Petrolândia vimos um novo cenário onde novos posicionamentos foram acontecendo, isso em relação a perda do executivo da maioria de sua base aliada no legislativo. Isso é uma tendência nacional, visto que os cidadãos cobram cada vez mais de seus gestores e querem estar mais próximos e participativos das decisões que lhes dizem respeito?
EA - Em parte sim. Mas no caso de Petrolândia, eu diria que isto está atrelado, além da questão da cobrança dos cidadãos e do surgimento de uma geração mais jovem, educada e politizada, aqui bem representada pelos amigos George e Daniel, o fato de que o atual grupo político à frente do executivo municipal está naturalmente desgastado por quase duas décadas no poder e, principalmente, por não ter atualizado as práticas políticas para o século XXI, como por exemplo, a capacidade construir diálogo e mesmo alianças com pessoas de fora do seu círculo político.

DF – Em Petrolândia não vemos debates, mas comícios, caminhadas, carreatas e militância que é paga com favores políticos (emprego), dinheiro e bebidas alcoólicas. De que forma você analisa esse “leilão” dos interesses do povo que será esquecido após as eleições? É possível resgatar essa sociedade para uma discussão lúcida sobre política?
EA - Sem dúvida, estas práticas estão desaparecendo aos poucos e vão se tornar inviáveis com o passar do tempo. A mudança virá com a melhoria educacional da juventude petrolandense o que já está acontecendo como disse, um espaço de debate como este blog seria impensável há 10-15 anos atrás. Essas práticas estão em desconexão com a realidade política do século XXI e quem insistir em pratica-las vai acabar arcando com as consequências, seja pela punição dos órgãos competentes ou perdendo votos dos eleitores que adquirem maior consciência.

GN - A Lei de Transparência do ponto de vista conceitual é o direito à informação e um dos princípios mais valorizados do moderno Estado democrático. Os dados tem prazo para serem lançados no Portal ou é por decisão dos gestores?
EA - Não me sinto um especialista na área, George. Mas, a título de informação, a Lei de Transparência (Lei 12.527/2011) define a obrigação dos órgãos públicos de todos os níveis, com exceção dos Municípios com menos de 10.000 habitantes, criarem sites informando dados da gestão, mas não definiu claramente um prazo para isso, interpreto que a partir da vigência da lei já existe a obrigação de divulgar os dados na internet. No art. 33 desta norma estão definidas as sanções aplicáveis a quem desrespeita-la: sanção, multa, perda do cargo, advertência, declaração de inidoneidade e perda do direito de participar de licitações durante 2 (dois) anos.

GN - Como se dá o processo para que essas informações estejam acessíveis à população?
EA - As informações a serem disponibilizadas são definidas na Constituição Federal e na própria Lei de Transparência, resumindo: questões referentes ao patrimônio, recursos e gastos públicos, contratos administrativos, informações sobre atividades em geral realizadas pelos órgãos como obras públicas e até mesmo eventos festivos, organização interna e prestação de serviços pelos entes governamentais; acesso a registros e documentos produzidos pela administração pública, etc. A população pode solicitar estes dados através de requerimento por escrito ou na internet, o gestor tem o dever de fornecer a informação por escrito ou justificar sua negação.

GN - Que tipo de informação deve estar no Portal da Transparência para que haja a possibilidade da população acompanhar e conhecer a atuação estatal e quais razões para das reservas das informações pelos governos, principalmente os municipais?
EA - A Lei de Transparência cria pouquíssimas possibilidades para que as informações sejam classificadas como reservadas, secretas ou ultrassecretas pelo poder público a exemplo de: situações de risco para a segurança nacional, a economia e saúde da população ou que exponham a segurança pessoal de determinadas indivíduos, pesquisas de desenvolvimento tecnológico entre outras. Mesmo estas informações não poderão ficar permanente em sigilo e devem ser divulgadas no prazo de 25 (vinte e cinco) anos se classificadas como ultrassecretas, 15 (quinze), se secretas e 5 (cinco) anos, se foram reservadas. Repare que a maioria dessas questões como segurança, economia e tecnologia envolvem principalmente os governos federal e estadual, dificilmente um Município vai conseguir enquadrar suas atividades em categorias sigilosas. Portanto, entendo que na maioria dos casos que gestores municipais negam acesso a informação é para esconder problemas ou irregularidades de sua administração, cabendo aí a população procurar os órgãos competentes para denúncia, especialmente o Ministério Público, o Tribunal de Contas e principalmente a Câmara Municipal.

DF – Como filho dessa terra, comente sobre o cenário político que se desenhou na Nova Petrolândia, desde sua transposição até os dias de hoje.
EA - Amigo Daniel, dá para escrever um livro sobre isso, mas vou tentar resumir ao máximo. Não nasci em Petrolândia, como disse, mas cresci e venho de família local. Primeiramente, é preciso compreender que diferentemente de outras cidades da região, Petrolândia nunca foi dominada por grupos políticos familiares e sempre foi muito aberta a receber pessoas de fora, que aqui se puderam se estabelecer e se destacaram política e economicamente, isto não somente agora, mas em todos os momentos históricos: seja durante a construção da ferrovia no fim do século XIX, depois na instalação do Projeto Barreiras a partir dos anos de 1930 e por último, com a construção Usina de Itaparica. Então, mais do que grupos ou clãs familiares, nós tivemos lideranças pessoais, em torno dos quais as pessoas se agruparam, por assim dizer. Essas lideranças foram avaliadas como “bons” ou “maus” governantes considerando sua atuação em três áreas: 1 – construção de obras públicas; 2 – realização de eventos festivos; 3 – distribuição de cargos públicos. Embora “turbinados” pela excelente arrecadação municipal (um ciclo que acredito que vai se encerrar em breve, infelizmente) nenhum desses governantes conseguiu construir um projeto genuinamente municipal de desenvolvimento seja econômico ou social de médio e longo e prazo, independente de ações do governo estadual e federal. Os problemas de ausência de infraestrutura básica no bairro Nova Esperança são uma clara demonstração de que não houve um devido planejamento para o crescimento de nossa cidade.

DF – A novidade que discutimos para o cenário nacional é possível no cenário municipal ou é tão difícil quanto?
EA - Acredito que é mais fácil no nível municipal. Explico: como disse, temos uma nova geração que teve mais acesso à educação e está começando a discutir o Município. Por outro lado, temos um grupo político desgastado e que não adaptou seu modo de fazer política ao século XXI e que durante muito tempo se arrogou no discurso de que era o único capaz de administrar Petrolândia. Mais cedo ou mais tarde a maioria dos cidadãos vão perceber essas duas coisas e teremos mudanças.

Espaço aberto para suas considerações acerca do blog e seus planos pessoais.
Acho excelente a ideia da criação de um blog para o debate político, temos sites de notícias, mas realmente nosso Município estava necessitando desse espaço. Agradeço o convite e me sinto muito honrado em participar destas discussões. Em relação aos meus projetos pessoais, pretendo estudar doutorado e continuar lecionando em cursos superiores e principalmente, produzindo pesquisas e participando de eventos nacionais e internacionais. Gostaria muito de voltar a trabalhar em Petrolândia, principalmente se a UNIVASF instalasse uma extensão em nosso Município.






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