segunda-feira, 14 de março de 2016

EM PETROLÂNDIA UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA A RESISTIR

Imagens: Daniel Flho

“Meu filho, acredita que eu fui ao hospital marcar uma consulta e, quando cheguei, a funcionária me pediu para mostrar o meu título...?
Eu respondi:
‘Minha filha, eu vim cuidar de minha saúde, não foi votar, não!’”

“Chegam aqui, prometem cisterna, poço... O prefeito mesmo disse que em quinze dias ia ter um poço pra gente... Já tem mais de três meses essa promessa.”

“Não adianta cisterna, caixa, se não temos o que armazenar. A gente não tem água. Aqui quem quer água pra beber ou dar aos bodes tem que pagar pelo pipa...”

“Sou professora contratada. Sei que contrato é um favor, mas não baixo cabeça pra isso. Não deixo de lutar pela reforma de nossa escola... Não desisto da educação.”

“Minha filha, contrato não é favor, é obrigação... Não ache que deve favor a eles não. Eles é que devem pra gente.”

“Um banheiro a nossa escola não tem... As paredes em tempo de cair. Entra ano sai ano e só vem promessa de reforma...”

Esses são apenas alguns dos diversos relatos da comunidade Quilombola Bordas do Lago. A comunidade recebeu o grupo Frente Popular Petrolândia para uma franca roda de conversa. 
Sempre muito bem recebidos a conversa flui e os mais diversos absurdos referentes à injustiça social surgem.

TERRITÓRIO

A principal é oriunda da velha peleja territorial. A comunidade está localizada no território de Tacaratu, mas movimenta a economia de Petrolândia. Premissa para os prefeitos José Gerson da Silva (Tacaratu) e Lourival Simões (Petrolândia), ambos do PSB, tentarem justificar a total negação de direitos e serviços públicos básicos à comunidade. Às custas do sofrimento das comunidades e assentamentos, mantêm a problemática onde está: sem rumo.
E não definir nada significa ouvir coisas como o diálogo absurdo que inicia esse texto. Servidor de hospital pedindo o título de eleitor do paciente (mas o SUS não é universal a garantir acesso integral, universal e igualitário à população brasileira?), falta de transporte escolar, falta de água, ausência de políticas públicas... A desculpa do território serve, inclusive, pra “justificar” mentiras. Há mais de três anos paira a promessa à comunidade sobre a reforma escolar. Todos os anos entram funcionários no espaço, fazem a medição, anunciam a data de início das obras... Depois vem a conversa de sempre: “Queríamos reformar, mas não podemos porque é território de Tacaratu... e se a gente mexer na estrutura, seremos processados...”   por sua vez o prefeito Gerson não pode fazer nada, pois todos votam em Petrolândia e usam os serviços de lá.
“Eles fingem se engolir e brigar, mas quando tem visita de senador, deputado, a gente vê os dois confraternizando felizes da vida e a gente aqui nessa situação. É tudo farinha do mesmo saco... Política é uma coisa sebosa”

POR QUE UMA ALTERNATIVA POLÍTICA POPULAR?

Causar revolta e instalar a desesperança nas pessoas sobre política é proposital. Mais que isso, é um projeto de poder. A fala da senhora que diz ter nojo da política mostra o perigo para a democracia. A professora e presidenta do Sindicato dos Servidores Municipais de Petrolândia (SINSEMP), Adriana Araújo, deu o tom da fala para desconstruir esse triste sentimento:

“Minha gente, esses absurdos acontecem porque sempre votamos nos mesmos... Empresários, médicos, advogados... Essa gente sabe o que nós sofremos? Eles fazem uso dos nossos serviços públicos? Não. Eles têm suas clínicas particulares. Seus filhos estudam nos melhores colégios particulares e vão pra escola em carro de luxo. Há um tempo vi a secretária de educação, depois o prefeito, em seus confortáveis carros, levando os filhos para a escola particular... O que eles estão dizendo a nós com essa atitude? Se não têm coragem de matricular os próprios filhos na rede de ensino que são responsáveis em gerir a mensagem que passam é que a educação e os demais serviços públicos não prestam.
Eu sou mãe e professora, fui proibida de usar o ônibus escolar. Justificaram a proibição dizendo estar seguindo a lei. Eu queria saber por que esse povo só segue a lei pra ferrar a gente. A lei diz que temos direito à moradia, água, luz, lazer, mas essa lei eles não se preocupam em cumprir. Mas para garantir esse cumprimento a gente tem que tirar da cabeça esse negócio de que política é sebosa. Política é a coisa mais linda do mundo... Isso que estamos fazendo aqui é política. O que precisamos é confiar em nosso potencial e escolher, dentre nós, quem nos represente.”

Natan Caetano, presidente do PT em Petrolândia, e o senhor José Maurício, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolândia, destacaram a importância da união da comunidade para o enfrentamento. Afirmaram que enquanto a pendência territorial não se resolve, a ação do sindicato para diversos auxílios, como crédito, aposentadoria, fica limitada.

MOÇÃO DE REPÚDIO

Uma das lideranças da comunidade, Rita de Cássia Soares, participará da 12ª Conferência Nacional de Direitos Humanos a se realizar no período de 27 a 29 de abril de 2016 em Brasília e sugeriu ao grupo e comunidade para assinarem uma moção de repúdio à situação desumana em que vivem para ser apresentada no dia da conferência. Todos aplaudiram a decisão.

“Estamos doidos pra ver esses políticos, que pisam aqui em nossa casa de quatro em quatro anos, virem pedir voto pra gente... O meu mesmo não tem. A gente precisa é botar um dos nossos pra representar a gente de verdade na prefeitura, porque esses que estão aí não enganam mais ninguém. Mas é preciso a gente se unir (...) mesmo tendo nossas dificuldades, vendo nossos filhos sofrendo, não podemos vender nosso voto...”


Que essa, e tantas outras comunidades sofridas em Petrolândia, em Outubro, possam dizer amém à fala da companheira quilombola. 









Um comentário: