O Blog Gota d'água entrevistará pessoas relacionadas à política, educação, cultura, meio ambiente. Nosso primeiro convidado tem raiz petrolandense. Professor do curso de direito e Relações Internacionais na faculdade ASCES, Emersom de Assis atua ainda no comitê de pesquisa n°09 (estudos judiciários) da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA - International Political Science Association).As perguntas foram feitas por mim, Daniel Filho, e George Novaes por e-mail. A entrevista se dividiu em dois blocos: uma análise do cenário político nacional e outro voltado para a política municipal.
Daniel Filho - A proposta é sempre iniciar a entrevista cedendo o espaço para o entrevistado se apresentar. Fique a vontade.
Emerson de Assis - Nasci em São Paulo, mas resido em Petrolândia desde os 10 anos de idade. Tenho orgulho de ter o sangue dos primeiros habitantes da nossa região, seja dos índios Pankararus, mas também dos primeiros colonizadores portugueses que habitaram permanentemente nossa região. Terminei o ensino médio na Escola de Jatobá, depois me formei em Direito na Faculdade ASCES em Caruaru, por fim concluí Mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Sou professor do curso de Direito e Relações Internacionais na Faculdade ASCES e trabalho também na Faculdade Raimundo Marinho em Penedo-AL. Atuo ainda no Comitê de Pesquisa n.º 09 (Estudos Judiciários) da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA – International Political Science Association).
POLÍTICA NACIONAL
DF - Como você analisa as manifestações populares acontecidas no primeiro
semestre do ano passado. Quanto elas podem ser responsáveis pelos resultados
das eleições desse ano?
EA - Entendo
que estas manifestações decorreram da demanda, principalmente dos jovens
brasileiros, pelo acesso a direitos fundamentais e melhoria dos serviços
públicos, uma geração vista como apática por muitos, mas que de repente
acordou. Acho que também foram um reflexo do aumento do nível educacional da
juventude, cada vez temos mais alunos no ensino superior e isto tem uma
consequência no aumento da conscientização política. Não foram protestos contra
algum grupo político específico, mas de caráter muito geral e difuso, por isso,
são muito difíceis de serem capitalizadas politicamente. As manifestações já
estão influenciando as eleições, principalmente no tocante ao discurso da
mudança, mas dificilmente vão determinar exclusivamente o resultado final do
pleito, afinal, candidatos à reeleição estão bem posicionados em todos os níveis,
federal ou estadual, parlamentar ou executivo.
George
Novaes - As reformas marcaram
presença nos discursos dos manifestantes que tomaram as ruas do Brasil em junho
de 2013. São anos sem avanços, será que
desta vez algum dos prováveis vencedores ao executivo nacional podem realizar o
desejo do povo brasileiro?
EA - Sou
pessimista em relação a isso. Nenhum candidato presidencial se vencedor, seja
dos favoritos ou não, terá força política em alguns casos, ou mesmo “vontade”
em outros, para realizar reformas políticas profundas, como demandadas pelos
manifestantes. Acredito que uma reforma política só seria possível com pequenos
passos ou com uma nova Assembleia Constituinte, convocada e eleita para este
fim.
DF– Todos os candidatos colocam a educação como prioridade, mas nenhum
discurso e projeto objetivo é apresentado. Falam em valorizar o salário do
professor sem dizer como, em garantir plano de carreira sem especificar o
método. A que se deve esse esvaziamento nos discursos?
EA - Ao fato
de que ninguém quer se comprometer objetivamente com nossa nobre carreira. Acho
que para além das greves, que cada vez tem surtido menos efeito, os professores
devem mudar a estratégia e realizar um “lobby” no sentido positivo, elegendo
candidatos que estejam comprometidos com pautas objetivas e concretas para a
carreira.
DF – Discurso que também está muito presente na fala de todos os candidatos
é referente ao NOVO. A você o que, de fato, há de novo nas propostas de cada um
dos candidatos?
DF – Faça uma breve visão
pessoal de cada um dos principais presidenciáveis e escolha algum dos menos
cotados para comentar postura, discursos, projetos...
EA - Em
relação aos três candidatos principais, minha avaliação pessoal é a seguinte:
Dilma
Rousseff: tem perfil gerencial e desenvolvimentista, não é uma política no
sentido de negociadora partidária, mas uma técnica burocrática com pouco
carisma. Representa a continuidade do projeto político do PT, focado em
melhoria dos indicadores sociais e manutenção da ordem econômica neoliberal
“amenizada”;
Aécio
Neves: típico político brasileiro, de família com tradição no meio. É o
representante do projeto político tucano, embora seja visto com reservas pela
ala paulista do partido. Seu governo representaria uma volta ao neoliberalismo
“cru” que o país viu durante os anos FHC;
Marina
Silva: líder política com grande capacidade retórica e um passado de brilhante
ativismo social e ambiental. Vejo seu discurso um pouco paradoxal; mistura
ecologismo, conservadorismo religioso, neoliberalismo e discurso moralizante
apartidário, uma verdadeira salada. Seu governo teria dois caminhos: ou fazer o
velho jogo de interesses dos partidos nacionais ou ficar paralisado;
Entre os
candidatos minoritários, escolho Luciana Genro: candidata com muita coragem e
discurso coerente, que defende um projeto inclusivo e socialista de governo, e
sabe apontar as falhas que houveram durante os governos tucanos e petistas.
Porém, pode cair na mesma armadilha da governabilidade que Marina, se vencesse
as eleições.
Quero
deixar claro que votarei em Dilma Rousseff. O governo petista conseguiu
importantes avanços em áreas como melhorias dos indicadores sociais, ampliação
do ensino técnico e superior e universalização do atendimento médico.
Evidentemente que tenho algumas críticas quanto a atual gestão, não necessariamente
em relação a corrupção, que infelizmente está disseminada em todos os espectros
políticos, mas por exemplo: a timidez na realização de reformas políticas,
regulamentação da mídia, apoios a banqueiros e empresários que mais tarde
viraram as costas ao governo nas eleições.
POLÍTICA
LOCAL
GN - Recentemente em Petrolândia vimos um novo cenário onde novos
posicionamentos foram acontecendo, isso em relação a perda do executivo da
maioria de sua base aliada no legislativo. Isso é uma tendência nacional, visto
que os cidadãos cobram cada vez mais de seus gestores e querem estar mais
próximos e participativos das decisões que lhes dizem respeito?
EA - Em parte
sim. Mas no caso de Petrolândia, eu diria que isto está atrelado, além da
questão da cobrança dos cidadãos e do surgimento de uma geração mais jovem,
educada e politizada, aqui bem representada pelos amigos George e Daniel, o
fato de que o atual grupo político à frente do executivo municipal está
naturalmente desgastado por quase duas décadas no poder e, principalmente, por
não ter atualizado as práticas políticas para o século XXI, como por exemplo, a
capacidade construir diálogo e mesmo alianças com pessoas de fora do seu
círculo político.
DF – Em Petrolândia não vemos debates, mas comícios, caminhadas, carreatas e
militância que é paga com favores políticos (emprego), dinheiro e bebidas
alcoólicas. De que forma você analisa esse “leilão” dos interesses do povo que
será esquecido após as eleições? É possível resgatar essa sociedade para uma
discussão lúcida sobre política?
EA - Sem
dúvida, estas práticas estão desaparecendo aos poucos e vão se tornar inviáveis
com o passar do tempo. A mudança virá com a melhoria educacional da juventude
petrolandense o que já está acontecendo como disse, um espaço de debate como
este blog seria impensável há 10-15 anos atrás. Essas práticas estão em
desconexão com a realidade política do século XXI e quem insistir em
pratica-las vai acabar arcando com as consequências, seja pela punição dos
órgãos competentes ou perdendo votos dos eleitores que adquirem maior
consciência.
GN - A Lei de Transparência do ponto de vista conceitual é o direito à
informação e um dos princípios mais valorizados do moderno Estado democrático.
Os dados tem prazo para serem lançados no Portal ou é por decisão dos gestores?
EA - Não me
sinto um especialista na área, George. Mas, a título de informação, a Lei de
Transparência (Lei 12.527/2011) define a obrigação dos órgãos públicos de todos
os níveis, com exceção dos Municípios com menos de 10.000 habitantes, criarem
sites informando dados da gestão, mas não definiu claramente um prazo para
isso, interpreto que a partir da vigência da lei já existe a obrigação de
divulgar os dados na internet. No art. 33 desta norma estão definidas as
sanções aplicáveis a quem desrespeita-la: sanção, multa, perda do cargo,
advertência, declaração de inidoneidade e perda do direito de participar de
licitações durante 2 (dois) anos.
GN - Como
se dá o processo para que essas informações estejam acessíveis à população?
EA - As
informações a serem disponibilizadas são definidas na Constituição Federal e na
própria Lei de Transparência, resumindo: questões referentes ao patrimônio,
recursos e gastos públicos, contratos administrativos, informações sobre
atividades em geral realizadas pelos órgãos como obras públicas e até mesmo
eventos festivos, organização interna e prestação de serviços pelos entes
governamentais; acesso a registros e documentos produzidos pela administração
pública, etc. A população pode solicitar estes dados através de requerimento
por escrito ou na internet, o gestor tem o dever de fornecer a informação por
escrito ou justificar sua negação.
GN - Que tipo de informação deve estar no Portal da Transparência para que
haja a possibilidade da população acompanhar e conhecer a atuação estatal e
quais razões para das reservas das informações pelos governos, principalmente
os municipais?
EA - A Lei de
Transparência cria pouquíssimas possibilidades para que as informações sejam
classificadas como reservadas, secretas ou ultrassecretas pelo poder público a
exemplo de: situações de risco para a segurança nacional, a economia e saúde da
população ou que exponham a segurança pessoal de determinadas indivíduos,
pesquisas de desenvolvimento tecnológico entre outras. Mesmo estas informações
não poderão ficar permanente em sigilo e devem ser divulgadas no prazo de 25
(vinte e cinco) anos se classificadas como ultrassecretas, 15 (quinze), se
secretas e 5 (cinco) anos, se foram reservadas. Repare que a maioria dessas
questões como segurança, economia e tecnologia envolvem principalmente os
governos federal e estadual, dificilmente um Município vai conseguir enquadrar
suas atividades em categorias sigilosas. Portanto, entendo que na maioria dos
casos que gestores municipais negam acesso a informação é para esconder
problemas ou irregularidades de sua administração, cabendo aí a população
procurar os órgãos competentes para denúncia, especialmente o Ministério
Público, o Tribunal de Contas e principalmente a Câmara Municipal.
DF – Como filho dessa terra, comente sobre o cenário político que se
desenhou na Nova Petrolândia, desde sua transposição até os dias de hoje.
EA - Amigo
Daniel, dá para escrever um livro sobre isso, mas vou tentar resumir ao máximo.
Não nasci em Petrolândia, como disse, mas cresci e venho de família local.
Primeiramente, é preciso compreender que diferentemente de outras cidades da
região, Petrolândia nunca foi dominada por grupos políticos familiares e sempre
foi muito aberta a receber pessoas de fora, que aqui se puderam se estabelecer
e se destacaram política e economicamente, isto não somente agora, mas em todos
os momentos históricos: seja durante a construção da ferrovia no fim do século
XIX, depois na instalação do Projeto Barreiras a partir dos anos de 1930 e por
último, com a construção Usina de Itaparica. Então, mais do que grupos ou clãs
familiares, nós tivemos lideranças pessoais, em torno dos quais as pessoas se
agruparam, por assim dizer. Essas lideranças foram avaliadas como “bons” ou
“maus” governantes considerando sua atuação em três áreas: 1 – construção de
obras públicas; 2 – realização de eventos festivos; 3 – distribuição de cargos
públicos. Embora “turbinados” pela excelente arrecadação municipal (um ciclo
que acredito que vai se encerrar em breve, infelizmente) nenhum desses
governantes conseguiu construir um projeto genuinamente municipal de
desenvolvimento seja econômico ou social de médio e longo e prazo, independente
de ações do governo estadual e federal. Os problemas de ausência de
infraestrutura básica no bairro Nova Esperança são uma clara demonstração de
que não houve um devido planejamento para o crescimento de nossa cidade.
DF – A novidade que discutimos para o cenário nacional é possível no cenário
municipal ou é tão difícil quanto?
EA - Acredito
que é mais fácil no nível municipal. Explico: como disse, temos uma nova
geração que teve mais acesso à educação e está começando a discutir o
Município. Por outro lado, temos um grupo político desgastado e que não adaptou
seu modo de fazer política ao século XXI e que durante muito tempo se arrogou
no discurso de que era o único capaz de administrar Petrolândia. Mais cedo ou
mais tarde a maioria dos cidadãos vão perceber essas duas coisas e teremos
mudanças.
Espaço aberto para suas considerações acerca do blog e seus planos pessoais.
Acho
excelente a ideia da criação de um blog para o debate político, temos sites de
notícias, mas realmente nosso Município estava necessitando desse espaço.
Agradeço o convite e me sinto muito honrado em participar destas discussões. Em
relação aos meus projetos pessoais, pretendo estudar doutorado e continuar
lecionando em cursos superiores e principalmente, produzindo pesquisas e
participando de eventos nacionais e internacionais. Gostaria muito de voltar a
trabalhar em Petrolândia, principalmente se a UNIVASF instalasse uma extensão
em nosso Município.
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