Cidade de Gotemburgo, Suécia (Divulgação) |
O Blog Gota D'Água reproduz entrevista publicada no site PRAGMATISMO POLÍTICO. No texto a jornalista Claudia Wallin entrevista Gunnar Stetler, responsável pela corrupção no país, a Suécia.
Segue:
“Tenho apenas uma vaga lembrança”, diz Stetler. ”É muito raro ver
deputados ou membros do Governo envolvidos em corrupção por aqui.”
Estamos no escritório abarrotado de arquivos e papéis do promotor-chefe
da Agência Nacional Anti-Corrupção (Riksenheten mot Korruption), no bairro de
Kungsholmen. A poucos passos dali, na mesma rua Hantverkargartan, fica a sede
da temida Ekobrottsmyndigheten, a Autoridade Sueca para Crimes Financeiros. Com
o sol de abril que enfim derreteu o gelo de mais um inverno, do outro lado da
rua mães passeiam com seus carrinhos de bebê entre os túmulos do jardim da
igreja Kungsholmskyrka, um hábito comum que se estende a vários
cemitérios-parque da cidade.
Da sua pequena sala, Gunnar Stetler chefia o trabalho de promotores
especializados que investigam os principais casos de suspeita de corrupção no
país. Casos menos graves são processados a nível regional, nas diversas
promotorias distritais que compõem o cerco sueco contra trapaças, tramóias e
falcatruas em geral.
Com 1,93m de altura, expressão grave e ar insubornável, Gunnar Stetler é
descrito na mídia sueca como o maior caçador de corruptos do país. Entre os
casos sob a sua mira em 2013 estava a denúncia de que a operadora de telefonia
sueca TeliaSonera teria pago suborno no valor de 337 milhões de dólares para
estabelecer operações no Uzbequistão.
”Historicamente, 75 por cento das acusações formais contra crimes de
suborno na Suécia terminam em condenações”, diz Stetler.
Nascido em 1949, Stetler ganhou fama após conduzir casos como o de um
ex-diretor da empresa sueca ABB, condenado a três anos de prisão em 2005 por
ter desviado 1,8 milhão de coroas suecas para uma empresa registrada no paraíso
fiscal das Ilhas Virgens Britânicas.
”Chega um momento em que uma pessoa não se contenta mais com um Volvo
V70, e quer trocá-lo por um Porsche. A ganância é parte do dilema humano”,
reflete Stetler.
Para o promotor-chefe, são três os fatores que mantêm a Suécia à margem
das listas de países gravemente corruptos: a transparência dos atos do poder, o
alto grau de instrução da população e a igualdade social.
O que faz da Suécia um dos países menos corruptos do mundo?
GUNNAR STETLER: Em primeiro lugar, a lei de acesso público aos
documentos oficiais. Esta lei, criada na Suécia há mais de duzentos anos, evita
os abusos do poder. Se os cidadãos ou a mídia quiserem, podem verificar meu
salário, meus gastos e as despesas de minhas viagens a trabalho. Meus arquivos
são abertos ao público. E acreditamos que, ao colocar os documentos e registros
oficiais das autoridades ao alcance do público, evitamos que os indivíduos que
exercem posições de poder pratiquem atos impróprios. Esta é a razão principal.
Em segundo lugar, é preciso citar a lei aprovada na Suécia há cerca de 200 anos
[em 1842, nota do autor], que introduziu o ensino compulsório no país e
aumentou o nível geral de educação da população.
Qual é o impacto de uma população com maior grau de instrução na
prevenção da corrupção?
GS: Se uma pessoa não tem acesso à educação, ela não tem
condições nem de compreender e muito menos de fiscalizar o sistema. Na Suécia,
acreditamos que uma sociedade se constrói não a partir do topo, mas a partir da
base da população. Portanto, é preciso oferecer uma boa educação a todas as
camadas da sociedade. A China tem um alto grau de corrupção, mas vem investindo
na melhoria do nível de instrução da população. Creio que isto irá, de certa
forma, reduzir a corrupção no país.
Com que frequência o seu telefone toca com denúncias de corrupção?
GS: Recebo cerca de quatro ligações do público todos os
dias. Mas de cada 15 denúncias, em geral apenas uma tem base para caracterizar
um caso. A maior parte dos casos se refere a questões de menor dimensão, como
quando um funcionário público aceita viajar para um resort a convite de uma
empreiteira a fim de facilitar um contrato. Se você é um funcionário público na
Suécia, não está absolutamente autorizado a aceitar este tipo de convite.
Lidamos também com casos de maior envergadura. Acabo de acusar formalmente um
dos chefes do Kriminalvården (sistema prisional sueco), que recebeu subornos da
ordem de milhões de coroas suecas de uma empresa contratada para construir
penitenciárias. Trabalhamos com denúncias do público, da mídia e também de sistemas
nacionais de auditoria, como o Riksrevisionen (órgão independente que controla
as finanças das autoridades públicas na Suécia).
Qual é o nível de incidência de casos de corrupção política a nível
nacional na Suécia, entre parlamentares e membros do Governo?
GS: É muito raro ver deputados ou membros do Governo
envolvidos em corrupção por aqui.
Qual foi a última vez que isso ocorreu na Suécia?
GS: Se me lembro bem (pausa)…talvez tenham sido uns dois
casos (pausa)…nos últimos (pausa)…trinta anos.
O senhor quer dizer que desde a década de 70 só houve dois casos de
corrupção política a nível nacional?
GS: Sim.
Que casos foram esses?
GS: Se não me engano (pausa)…há cerca de dez anos (pausa)…um
deputado do Parlamento, representante da costa oeste, cometeu um erro
(pausa)…tenho apenas uma vaga lembrança.
Se o senhor tem apenas uma vaga lembrança sobre o que seriam os dois
únicos casos de corrupção política a nível nacional nos últimos 30 anos,
pode-se presumir que não tenham sido grandes escândalos?
GS: Sim. Em termos de corrupção política, casos mais sérios
ocorrem principalmente nas municipalidades.
Mas a última vez que um político sueco foi condenado à prisão por
corrupção foi aparentemente em 1995. Isso significa que o grau de corrupção
política na Suécia não é em geral grave o suficiente para exigir pena de
prisão, ou é um sinal de que o sistema é leniente com políticos corruptos?
GS: Na Suécia, em geral, toda punição é leniente.
Como assim?
GS: No sistema penal sueco, o princípio básico não é a
punição, e sim a reintegração do indivíduo à sociedade. Esta é a nossa
tradição. O código penal não prevê punição especialmente dura para casos de
corrupção política.
Punições mais severas não são então a resposta para combater a corrupção
política?
GS: Quem pune políticos corruptos é a opinião pública. Se um
deputado ou um funcionário da administração estatal pratica um ato de
corrupção, ele será punido severamente pela sociedade, principalmente por ter
cometido um erro a partir de uma posição de poder. Um deputado, por exemplo,
pode ser forçado a renunciar através da pressão da opinião pública e da mídia,
mesmo quando não é indiciado formalmente.
Há alguma regra especial para investigar e processar políticos por
crimes de corrupção, como a necessidade de obter aprovação do Parlamento ou de
algum comitê?
GS: Não.
Cabe principalmente à mídia e aos cidadãos fiscalizar o poder, ou a
instituições como a que o senhor dirige?
GS: Cabe, em primeiro lugar, à imprensa livre. Se a mídia
tem acesso aos documentos oficiais, ela poderá agir, juntamente com os
cidadãos, para garantir uma sociedade mais limpa. É claro que agentes oficiais,
como a Agência Anti-Corrupção, também cumprem um papel importante. Presumo que
talvez, no Brasil, os cidadãos não confiem em servidores públicos como eu. Mas
na Suécia a maior parte das pessoas confia nas agências do poder público, e uma
das razões disso é o fato de que os cidadãos podem supervisionar o que as
agências fazem.
Como é o trabalho da Agência Nacional Anti-Corrupção?
GS: Nosso foco principal é o suborno. Pode-se dizer que o
suborno, tanto na esfera pública como no setor privado, é um câncer para
qualquer sistema. Mesmo quando o valor do suborno é muito baixo, ele pode
influenciar uma licitação no valor de um bilhão de coroas suecas. No setor
público, é importante que as compras de bens e serviços sejam realizadas de
modo correto. A construção de um novo hospital, por exemplo, pode custar cerca
de 1,7 bilhão de coroas suecas (cerca de 260 milhões de dólares). Quando uma
agência do setor público lida com um contrato deste porte, é importante que
haja uma distância entre a empresa que vai construir o hospital e os
funcionários públicos que vão aprovar tal contrato. No meu ponto de vista, e
penso que a maioria das pessoas na Suécia concorda, é essencial que
funcionários públicos não aceitem ofertas ou presentes de nenhum tipo, mesmo os
de baixo valor.
Os suecos em geral parecem realmente ter receio da regra que proíbe
aceitar qualquer brinde ou presente com valor acima de aproximadamente 400
coroas suecas.
GS: Em geral, nenhum funcionário público ou privado na
Suécia é autorizado a aceitar brindes ou presentes acima de 300 ou no máximo
400 coroas (entre cerca de 46 e 60 dólares). Na minha posição, não posso
aceitar nada.
Nada?
GUNNAR STETLER: Não. Nem mesmo um café com wienerbröd (tipo de pão doce
sueco). E não acho que políticos ou funcionários públicos na Suécia aceitam, em
geral, o que é considerado como suborno real, ou seja, grandes subornos.
Não acontece?
GS: Pode acontecer, mas não é normal. A questão é definir o
que é considerado como um suborno. Para alguns, aceitar um convite para jantar
ou passar o fim de semana em um resort não configura um suborno. Mas na Suécia,
convites deste tipo caracterizam de fato um suborno. Principalmente para
aqueles que trabalham no setor público.
Aceitar um convite para jantar pode então ser considerado um crime?
GS: Na minha opinião, uma pessoa ou empresa privada não pode
convidar um funcionário público para jantar, se há um negócio envolvido entre
as duas partes.
Qual é o seu melhor conselho para um país como o Brasil se tornar uma
sociedade mais limpa?
GS: É preciso compreender que esta é uma tarefa que não pode
ser cumprida em 24 horas. Para combater a corrupção, é necessário implementar
um sistema de ampla transparência dos poderes estatais, aumentar o nível de educação
da população em geral, e promover a igualdade social. A educação é o princípio
básico do que chamamos na Suécia de jämlikheten (a igualdade social). E este é
também um fator importante na prevenção da corrupção. Parece-me que o Brasil é
um país com enormes desigualdades sociais.
Qual a importância da igualdade social neste processo?
GS: Se uma pessoa tem que lutar diariamente por sua
sobrevivência, para ter acesso a alimentação, escolas e hospitais, a questão do
combate à corrupção na sociedade certamente não estará entre seus principais
interesses. Mas quando uma pessoa se sente parte da sociedade à qual pertence,
passa a não aceitar os abusos do poder.
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/08/o-segredo-da-suecia-para-combater-corrupcao.html
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