Charge: Duke |
A crise econômica que “devasta” o Brasil já é
pauta certa no discurso dos maus administradores e facilmente assumida pelos incautos.
Afinal, qual o seu tamanho?
Afinal, qual o seu tamanho?
Por que afeta mais a uns do que a outros?
A quem ela interessa?
O escritor e crítico de cinema, Pablo Vilaça,
publicou uma boa análise que reproduzimos aqui na íntegra.
Para refletir, comentar, compartilhar:
APESAR
DA CRISE
Eu fico realmente impressionado ao perceber
como os colunistas políticos da grande mídia sentem prazer em pintar o país em
cores sombrias: tudo está sempre "terrível",
"desesperador", "desalentador". Nunca estivemos "tão
mal" ou numa crise "tão grande".
Em primeiro lugar, é preciso perguntar: estes
colunistas não viveram os anos 90?! Mas, mesmo que não tenham vivido e
realmente acreditem que "crise" é o que o Brasil enfrenta hoje, outra
indagação se faz necessária: não leem as informações que seus próprios jornais
publicam, mesmo que escondidas em pequenas notas no meio dos cadernos?
Vejamos: a safra agrícola é recordista, o
setor automobilístico tem imensas filas de espera por produtos, os
supermercados seguem aumentando lucros, a estimativa de ganhos da AMBEV para
2015 é 14,5% maior do que o de 2014, os aeroportos estão lotados e as cidades
turísticas têm atraído número colossal de visitantes. Passem diante dos
melhores bares e restaurantes de sua cidade no fim de semana e perceberá que
seguem lotados.
Aliás, isto é sintomático: quando um país se
encontra realmente em crise econômica, as primeiras indústrias que sofrem são
as de entretenimento. Sempre. Famílias com o bolso vazio não gastam com
supérfluos - e o entretenimento não consegue competir com a necessidade de
economizar para gastos em supermercado, escola, saúde, água, luz, etc.
Portanto, é revelador notar, por exemplo,
como os cinemas brasileiros estão tendo seu melhor ano desde 2011. Público
recorde. "Apesar da crise". A venda de livros aumentou 7% no primeiro
semestre. "Apesar da crise".
Uma "crise" que, no entanto, não
dissuadiu a China de anunciar investimentos de mais de 60 bilhões no mercado
brasileiro - porque, claro, os chineses são conhecidos por investir em maus
negócios, certo? Foi isto que os tornou uma potência econômica, afinal de
contas. Não?
Se banissem a expressão "apesar da
crise" do jornalismo brasileiro, a mídia não teria mais o que publicar.
Faça uma rápida pesquisa no Google pela expressão "apesar da crise":
quase 400 mil resultados.
"Apesar da crise, cenário de
investimentos no Brasil é promissor para 2015."
"Cinemas do país têm maior crescimento
em 4 anos apesar da crise"
"Apesar da crise, organização da Flip
soube driblar os contratempos: mesas estiveram sempre lotadas"
"Apesar da crise, produção de batatas
atrai investimentos em Minas"
"Apesar da crise, vendas da Toyota
crescem 3% no primeiro semestre"
"Apesar da crise, Riachuelo vai
inaugurar mais 40 lojas em 2015"
"Apesar da crise, fabricantes de
máquinas agrícolas estão otimistas para 2015"
"Apesar da crise, Rock in Rio conseguiu
licenciar 643 produtos – o recorde histórico do festival."
"Honda tem fila de espera por carros e
paga hora extra para produzir mais apesar da crise,"
"16º Exposerra: Apesar da crise, hotéis
estão lotados;"
"Apesar da crise, brasileiros pretendem
fazer mais viagens internacionais"
"Apesar da crise, Piauí registra
crescimento na abertura de empresas"
Apesar da crise. Apesar da crise. Apesar da
crise.
A crise que nós vivemos no país é a de falta
de caráter do jornalismo brasileiro.
Uma coisa é dizer que o país está em situação
maravilhosa, pois não está; outra é inventar um caos que não corresponde à
realidade. A verdade, como de hábito, reside no meio do caminho: o país
enfrenta problemas sérios, mas está longe de viver "em crise". E
certamente teria mais facilidade para evitá-la caso a mídia em peso não
insistisse em semear o pânico na mente da população - o que, aí, sim, tem
potencial de provocar uma crise real.
Que é, afinal, o que eles querem. Porque nos
momentos de verdadeira crise econômica, os mais abastados permanecem
confortáveis - no máximo cortam uma viagem extra à Europa. Já da classe média
para baixo, as consequências são devastadoras, criando um quadro no qual, em
desespero, a população poderá tender a acreditar que a solução será devolver ao
poder aqueles mesmos que encabeçaram a verdadeira crise dos anos 90. Uma
"crise" neoliberal que sufocou os miseráveis, mas enriqueceu ainda
mais os poderosos.
E quando nos damos conta disso, percebemos
por que os colunistas políticos insistem tanto em pintar um retrato tão sombrio
do país. Porque estão escrevendo as palavras desejadas pelas corporações que os
empregam.
Como eu disse, a crise é de caráter. E,
infelizmente, este não é vendido nas prateleiras dos supermercados.
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