Foto: Isabela Cribari. Acervo Pessoal |
Como extensão do trabalho de prevenção anunciado
na SEMANA
MUNICIPAL DE COMBATE À DEPRESSÃO E AO SUICÍDIO EM PETROLÂNDIA, pela
secretária de saúde Andreza Carvalho, está previsto para o mês de Outubro a
vinda da psicanalista e cineasta Isabela Cribari diretora do projeto cinematográfico
DE PROFUNDIS, documentário que
investiga a depressão coletiva na cidade de Itacuruba.
Pesquisamos mais sobre a cineasta. A seguir
você lê na íntegra a reprodução de uma
entrevista concedida ao jornal DIÁRIO DE
PERNAMBUCO à época de divulgação da obra. Uma prévia do encontro previsto.
Boa leitura:
Como a recorrência de transtornos mentais
em Itacuruba chamou sua atenção? O que buscou captar com o documentário?
Sou psicanalista e documentarista. Quando li
reportagens sobre o assunto, aquilo me atraiu pelas duas vias. A imprensa
falava da depressão como sintoma da cidade em decorrência da mudança de lugar,
mas eu quis saber mais sobre a pesquisa do Cremepe, fonte dos jornalistas. No
município havia um índice de suicídio dez vezes maior do que a média nacional.
Segundo o levantamento, em 70% das famílias de Itacuruba, alguém já atentou
contra a própria vida. Confrontei esses dados com indicadores nacionais e eles
não batiam. Conversei com colegas da área e ninguém sabia a respeito. Então
quis fazer uma pesquisa qualitativa para se referir a essa outra, quantitativa,
mas para evitar a confusão e a burocracia de se fazer isso na academia, escolhi
usar a via da arte para retratar a situação com liberdade e velocidade.
Houve
resistência por parte dos moradores para contar as histórias?
Pouco tempo antes, uma rede de televisão
havia gravado uma matéria bastante melodramática. As pessoas estavam magoadas.
O sofrimento e a dor não são naturalmente expostos com facilidade. A população
estava há 25 anos com uma dor e, de repente, isso foi mostrado explicitamente.
Todos estavam receosos, negaram o problema e apenas exaltaram o quanto a cidade
estava linda. Mas reconheci nas pessoas uma impregnação de medicação. Muitos
tomavam psicofármacos.
Quais
foram as estratégias de aproximação?
Exibi o filme Cinema, aspirinas e urubus,
cujo enredo narra a tentativa de um alemão de vender aspirinas da Bayer no
Sertão. Debatemos a ligação da indústria farmacêutica com a depressão, a
necessidade de usar a medicação como instrumento e não tratamento. Mais tarde,
os moradores começaram a vir falar comigo, individualmente, para contar vários
casos de suicídio. Eram relatos tanto dos mais velhos, habitantes da cidade
"antiga", quanto dos jovens que não tiveram contato com a mudança.
Também promovemos oficina de cinema. Usando celulares, eles fizeram vídeos
sobre o observatório de estrelas do município, sobre o alcoolismo e a respeito
da mudança da cidade velha para a nova. A partir desses filmes, entrei no universo
deles.
Como
o povo reagiu ao remexer no passado traumático?
Quando ninguém queria falar, exibimos em
praça pública imagens de arquivo fortíssimas, de pessoas desenterrando seus
mortos, colocando ossos em caixas para a água não levar. Na gravação antiga,
alguns defendiam a mudança como oportunidade para desenvolver a região. Uma das
cenas é a procissão dos moradores andando a pé da cidade velha para a nova,
rezando e chorando, pois não queriam se mudar. No dia da exibição, com a praça
lotada, todos cantaram novamente aquela música e começaram a desabafar,
exprimir raiva. Até que resolvi parar de tentar entender aquilo tudo. Aprendi
pela emoção, porque não tem muita lógica. Agora querem levar para Itacuruba uma
usina nuclear que ninguém no Brasil quer. É difícil de compreender.
Por
que a opção de não mostrar nenhum rosto no documentário, com vozes somente em
“off”?
Ninguém quis aparecer no vídeo. Pensei em
reproduzir os depoimentos com atores, mas perderíamos muito. Optei pela
linguagem sensorial, por mostrar aquele lugar inundado com galhos de árvores
saindo das águas. Parece uma cidade insepulta, como é insepulto esse sentimento
e a dor que ninguém fala.
Cenas
do curta exploram o ócio e a falta de lazer. São agravantes?
Nas cidades muito pequenas há, naturalmente,
poucas ofertas de lazer, o que se intensificou com a transferência da cidade.
Nas imagens da Itacuruba antiga, dá para perceber um clima diferente. As
pessoas criavam maneiras de se divertir. O rio, por si só, era uma fonte de
diversão. Depois da mudança, os moradores receberam por muito tempo uma verba
de manutenção temporária, ela veio junto com mudanças de hábito. Quem acordava
quando o sol nascia e dormia quando o sol se punha, depois de pescar, plantar,
cuidar dos animais, perdeu tudo isso. Passaram a viver como funcionários
públicos. A ociosidade tornou os moradores sujeitos passivos. Para ofertar a VMT,
precisaria mais tempo e preparo da população pobre, que se viu diante de muito
dinheiro. As pessoas têm muita mágoa da Chesf. Elas não viram o desenvolvimento
chegar e se sentiram enganadas.
Existe
solução para o problema de Itacuruba?
Ela precisa ser buscada. O atendimento à
saúde mental não existe nos planos particulares, e no setor público a oferta é
completamente deficiente para a enorme demanda. O médico da cidade nos
perguntou o que mais ele poderia fazer, pois lá não tem Caps (Centro de Atenção
Psicossocial), não tem nenhum serviço de saúde mental. As taxas de suicídio em
Itacuruba só são comparáveis com as do Japão. Ainda assim, não há estrutura
alguma. O fenômeno existe e está subnotificado no Ministério da Saúde. Se o mal
do século é a depressão, temos que aparelhar o estado para uma oferta de
tratamento adequada.
Terminado
o curta-metragem, como ficou a relação com os moradores?
Deixamos 250 filmes na cidade para um grupo
local criar um cineclube e promover exibições e debates. Também estou
organizando antologia de filmes pernambucanos para eles, na tentativa de mudar
a energia dessas pessoas. Alguns psiquiatras estão interessados em ajudar,
oferecer tratamentos. É importante que o documentário circule não somente em
festivais, mas seja discutido no âmbito médico e de planejamento urbano. Também
vou distribuir cópias em todos os cineclubes de Pernambuco e estou à disposição
para agendar grupos de pessoas interessadas em assistir e discutir o filme.
Matérias do Blog que tratam do tema:
http://www.bloggotadagua.com.br/2015/09/suicidio-e-depressao-afligem-petrolandia.html (por Daniel Filho)
http://www.bloggotadagua.com.br/2015/09/suicidio-e-depressao-afligem-petrolandia.html (por Daniel Filho)
http://www.bloggotadagua.com.br/2015/09/10-de-setembro-dia-mundial-da-prevencao.html (Por Bruna Borges)
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