segunda-feira, 4 de abril de 2016

DEPOIS DA ESCRAVIDÃO parte 3

Imagem: Divulgação

UM NOVO BAQUE

Apenas oito dias foram suficientes para que José Evanci, de volta a Petrolândia após ser resgatado do trabalho escravo, fosse indicado por seu barbeiro para um emprego com carteira assinada numa loja de material de construção. Começou fazendo entrega de material, com sua moto. Oito meses depois, assumiu função no depósito, onde passou a receber e organizar as mercadorias. O dinheiro que recebeu da OAS em salários devidos e verbas rescisórias foi juntado ao arrecadado com a venda da moto para dar entrada num carro Fox 2010.
No começo de 2015, no entanto, o sergipano de Poço Redondo sofreu outro baque. Descobriu ter um câncer raríssimo no coração. Enquanto faz tratamento pelo SUS, ele teve de se afastar do trabalho pelo INSS, de onde recebe cerca de R$ 800 mensais, mesmo valor que ganhava na loja. “Fiz duas cirurgias, lá no Recife. Fiz sessão de quimioterapia, fiquei careca… de lá pra cá estou reagindo bem”, conta. “Fiz um ecocardiograma e uma tomografia, que não acusaram mais nada. Aí fiz uma ressonância, estou esperando o resultado. Com fé em Deus vai estar tudo ok.”
Com a ação contra a OAS movida a partir de Petrolândia, José Evanci recebeu R$ 5 mil, dos quais uma parte serviu para quitar algumas parcelas do carro. “Ficou mais um pouco para mim. E guardei outra parte para quando precisar, porque estou doente”, explica.
Quando se curar completamente, ele quer voltar ao emprego e não sair mais da cidade. No futuro próximo, o desejo é viver da roça. “Sei mais ou menos plantar. Não vou dizer que sei de tudo, mas a gente planta melancia e banana aqui no nosso quintalzinho.”

FICAR JUNTO DA FAMÍLIA

Com o dinheiro recebido da OAS, José Hildo ajudou nas contas da família por um tempo e comprou uma moto, que facilitou suas idas à roça, onde retomou o trabalho. No entanto, a ideia era viajar de novo. Pensava: “quando pintar oportunidade, eu vou”. No primeiro semestre de 2015, ela surgiu. Ficou sete meses em Alta Floresta, no Mato Grosso, empregado numa obra de uma usina hidrelétrica de responsabilidade da empreiteira Quebec. “Lá deu tudo certo. Era carteira assinada e tinha alojamento em boas condições.”
De volta para casa, José Hildo fez um curso de vigilante noturno, com o objetivo de não precisar sair mais. Ele já tem um emprego à vista, de vigia noturno numa escola. Perguntado se na nova ocupação receberia mais do que numa obra em outro estado, não hesitou: “Acabo ganhando mais porque estou em casa. Para que ganhar muito e ficar longe da família?”.
Assessorado pelo advogado do Sindcongru, de Guarulhos, o baiano de Glória entrou com uma ação por trabalho escravo e danos morais contra a OAS. Apenas uma audiência foi realizada, em Paulo Afonso, a 40 minutos de sua cidade. “Espero ganhar, e que sirva de lição para eles”, diz.
À época da primeira fiscalização, a OAS negou que as pessoas que moravam naquelas condições fossem seus trabalhadores. “A OAS ressalta que as pessoas que se encontravam nos locais citados pela fiscalização não eram funcionários da Construtora, e que a empresa, nas pessoas dos seus representantes, não teve qualquer participação no incidente relatado”, dizia a nota (Leia a íntegra no link abaixo).
A postura da empreiteira após o flagrante de trabalho escravo em 2013, no entanto, não mudou. Poucos meses depois, uma nova fiscalização resgatou 103 trabalhadores da OAS em condições análogas à escravidão em alojamentos na cidade de Santa Isabel, na região metropolitana de São Paulo. Eles dormiam ali, mas se deslocavam todos os dias para as obras de ampliação do aeroporto de Guarulhos.
Em outubro de 2014, o Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com uma ação para que empreiteira pagasse uma multa de R$ 540 mil por esta ter descumprido as obrigações estabelecidas em acordo judicial celebrado por conta do primeiro flagrante. A Justiça do Trabalho decidiu favoravelmente ao pedido do MPT, e atualmente a multa está em fase de execução.
Do lado das vítimas da empreiteira, a lição foi bem assimilada. A experiência vivida pelos três homens de nome José ensinou-os a se informar melhor sobre as ofertas de emprego que envolvam viagens a outros Estados. Se ganhar um bom dinheiro, mas ficar longe da família não compensa, o que dizer de sair de casa para ser superexplorado? “Agora, pra sair tem que saber se é certo mesmo, pra não ficar daquele jeito. O cara fica mais atento”, garante o baiano José Hildo.


Reportagem completa retirada de:


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