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Nada mais tendencioso do que o Movimento
Escola Sem Partido. Basta dizer que um de seus propagadores é o ator de filmes
pornô Alexandre Frota. O movimento acusa as escolas de abrir espaços a
professores esquerdistas que doutrinam ideologicamente os alunos.
Uma das falácias da direita é professar a
ideologia de que ela não tem ideologia. E a de seus opositores deve ser
rechaçada. O que é ideologia? É o óculos que temos atrás dos olhos. Ao encarar
a realidade, não vejo meus próprios óculos, mas são eles que me permitem
enxergá-la. A ideologia é esse conjunto de ideias incutidas em nossa cabeça e
que fundamentam nossos valores e motivam nossas atitudes.
Essas ideias não caem do céu. Derivam do
contexto social e histórico no qual se vive. Esse contexto é forjado por
tradições, valores familiares, princípios religiosos, meios de comunicação e
cultura vigente.
Não há ninguém sem ideologia. Há quem se
julgue como tal, assim como Eduardo Cunha se considera acima de qualquer
suspeita. Como ninguém é juiz de si mesmo, até a minha avó de 102 anos tem
ideologia. Basta perguntar-lhe o que acha da vida, da globalização, dos
escravos, dos homossexuais etc. A resposta será a ideologia que rege sua visão
de mundo.
A proposta da Escola Sem Partido é impedir
que os professores eduquem seus alunos com consciência crítica. É trocar Anísio
Teixeira, Lauro de Oliveira Lima, Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Rubem Alves por
Cesare Lombroso e Ugo Cerletto.
Ninguém defende uma escola partidária na
qual, por exemplo, todos os professores comprovem ser simpatizantes ou filiados
ao PT. Mesmo nessa hipótese haveria pluralidade, já que o PT é um saco de
tendências ideológicas que reúne ardorosos defensores do agronegócio e
esquerdistas que propõem a estatização de todas as instituições da sociedade.
Não faz sentido a escola se aliar a um
partido político. Muito menos fingir que não existe disputa partidária, um dos
pilares da democracia.
Em outubro, teremos eleições municipais. Deve
a escola ignorá-las ou convidar representantes e candidatos de diferentes
partidos para debater com os alunos? O que é mais educativo? Formar jovens
alheios à política ou comprometidos com as lutas sociais por um mundo melhor?
Na verdade, muitos “sem partido” são
partidários de ensinar que nascemos todos de Adão e Eva; homossexualidade é
doença e pecado (e tem cura!); identidades de gênero é teoria promíscua; e o
capitalismo é o melhor dos mundos.
Enfim, é a velha artimanha da direita: já que
não convém mudar a realidade, pode-se acobertá-la com palavras. E que não se
saiba que desigualdade social decorre da opressão sistêmica; a riqueza, do
empobrecimento alheio; a homofobia, do machismo exacerbado; a leitura
fundamentalista da Bíblia da miopia que lê o texto fora do contexto.
Recomenda-se aos professores de português e
literatura da Escola Sem Partido omitirem que Adolfo Caminha publicou, em 1985,
no Brasil, Bom crioulo, o primeiro romance gay da história da literatura
ocidental; proibirem a leitura dos contos D. Benedita e Pílades e Orestes, de
Machado de Assis; e evitar qualquer debate sobre os personagens de Dom
Casmurro, pois alguns alunos podem deduzir que Bentinho estava mais apaixonado
por Escobar do que por Capitu.
Frei Betto é escritor, autor do romance
policial Hotel Brasil (Rocco), entre outros livros
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