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O militante de esquerda Jose Luiz Del Roio (75), ex-senador italiano, em entrevista à Folha
de São Paulo analisou sobre a conjuntura politica e sindical brasileira. Para
ele, o governo é instável, ávido, contraditório e não vai durar e a mobilização
contrária será muito forte. Avalia que o grupo no poder tem pouco tempo, não
quer eleições e virá como um trator. "Trator que vai se encontrar com as
praças, as ruas e as greves", afirma.
Ativista político, ele conseguiu reunir seis
centrais sindicais para a reedição, agora em setembro, de seu livro "Primeiro
de Maio, sua Origem, seu Significado, suas Lutas", com tiragem de
30 mil exemplares. Em gesto inédito, os presidentes da CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB assinam prefácios da obra, editada
originalmente em 1986, quando foram comemorados 100 anos do levante sangrento
de Chicago.
Na visão de Del Rio, a edição do livro, pelo
Centro de Memória Sindical, já demonstra a vontade de ação conjunta. Nesta
entrevista, ele prevê a elaboração de uma plataforma unitária mínima e maior
aproximação das centrais com os vários movimentos sociais.
FOLHA
- A situação do trabalhador melhorou ou piorou desde que o sr. escreveu o livro
em 1986?
José
Luiz Del Roio - Piorou. As metrópoles cresceram de forma
desesperada e desorganizada. Em São Paulo, tem pessoas que ficam cinco horas para
ir e voltar do trabalho. De onde se tira isso? Também a maravilhosa revolução
científica, com seus aplicativos e computadores, aumentou o horário de trabalho
sem aumentar o salário. Aumentou a exploração. A tecnologia tende a isolar os
trabalhadores. E agora estamos com uma velha batalha de quando acabou a
ditadura: a questão da jornada de trabalho. Estamos encarquilhados nas 44 horas
de jornada semanais. Oficiais, é bom frisar. Não conseguimos avançar para 40
horas semanais. A desculpa é sempre a mesma. É a desculpa que já davam em 1886:
não pode porque o lucro do patrão cai a um ponto tal que ele fecha tudo. É a
mesma desculpa que era usada no Império: acabar com a escravidão seria o fim da
lavoura no Brasil.
Hoje
a discussão é para ampliar a jornada, não?
Robson Braga de Andrade, presidente da
Confederação Nacional da Indústria, falou em chegar a 80 horas. É a mesma coisa
que dizer que tem que voltar a escravidão. Um pouco pior. Porque na escravidão
o escravo era um instrumento de trabalho e o patrão tinha que dar de comer para
ele, se não perdia o dinheiro. Aqui, não. Há abundância de mão de obra, coloca
80 horas, morre, joga na rua, não tem problema. Por isso é pior do que a
escravidão o que algumas pessoas desenham. Não vão conseguir.
Por
que não vai acontecer? As centrais não têm posições distintas?
Pelo mesmo sentido pelo qual seis centrais e
pelo menos 30 dos maiores sindicatos do país se unem para fazer o livro. É por
causa do problema que o livro coloca. Não existe possibilidade que uma central
sindical possa aprovar uma PEC 241 ou a destruição da CLT. Isso seria a sua
própria destruição. O movimento dos trabalhadores é muito lento. Ele se move
quando o ataque aos seus direitos entra dentro da fábrica, do escritório, da
escola. Vou ter que trabalhar até os 75 anos, não tenho nem o SUS para
recorrer, não posso pagar plano de saúde. Os dirigentes sabem que esse momento
vai chegar quando for debatido isso no parlamento.
Nossa população cresce 1% ao ano. Em 20 anos,
40 milhões de pessoas, ao menos. Se se propõe bloqueio todo o investimento
social por esse período, está se propondo o canibalismo. É uma irracionalidade,
uma violência social, uma crueldade, um desmanchar a esperança de um povo de
forma violenta.
Independentemente de suas posições, as
centrais sindicais sabem disso. Daí é absolutamente necessário que eles
encontrem uma plataforma unitária mínima. Elas vão encontrar. Esse livro é uma
oportunidade. Jamais os seis presidentes de centrais escreveriam num texto
comum. Ali escreveram, pois há uma necessidade. Porque é demais a violência da
oligarquia escravocrata brasileira.
O
movimento sindical não tem se enfraquecido e não está em posição frágil agora
que o país está em recessão?
A desindustrialização é um fato geral que
pesa nos EUA, na Europa e no Brasil. A nossa desindustrialização é violenta e
não somos capazes de mudar o modelo de desenvolvimento. Isso enfraquece o
movimento sindical, que nasceu com a força da industrialização. Os sindicatos
se enfraqueceram, sim, e têm dificuldade de dar um salto de propostas. Também
sofreram uma certa acomodação. Nos últimos anos de governo, delegaram muito ao
governo federal, que fez ótimas leis, valorizou o salário mínimo. Eles estavam
contentes e achavam que não precisava lutar. Sindicato precisa lutar sempre.
Sindicato nasce para dizer: mais, mais, mais.
A
mobilização não é mais difícil com o encolhimento das fábricas e com o aumento
do precariado, o terceirizado?
Há movimentos sociais que estão agrupando
gente dispersa. A Frente Brasil Popular agrupa muito trabalhador. A Povo Sem
Medo reúne uma população pobre, negra, com pouca instrução escolar e pouca
tradição de organização. São pessoas dissolvidas nessas periferias infernais
que se organizam muito bem na rua e na luta. É uma forma atípica, nova. Há movimentos
como o dos secundaristas, que conseguiram se organizar quase sozinhos. Os
sindicatos precisam entender que todos esses são seus aliados preciosíssimos,
pois conseguem agrupar aqueles que os sindicatos não conseguem: os que estão
fora da fábrica, do grande escritório. Todos deveriam fazer uma frente de
movimentos sociais e sindicatos com uma plataforma. De imediato é preciso
combater essas loucuras anti-históricas que estão no congresso.
Noto um vazio importante. Estou perplexo com
a falta de presença das igrejas cristãs, que deixam espaço imenso para o
neopentecostalismo de prosperidade. A igreja católica é capilar e tem um papa
que grita e ordena, que já deixou claro que é contrário a esse processo
estapafúrdio que está acontecendo no Brasil. Apesar disso, a igreja está
paralisada, só faz bons documentos. É uma outra estrutura antiga eivada de
imobilismo criado por um papado de 32 anos de João Paulo 2º.
Esse
momento poderia levar à unificação das centrais sindicais?
Eles têm um inimigo que é feroz demais. Eles
têm que lutar contra. Eles vão se unificar na luta contra essa ofensiva de um
patronato escravocrata. Não é um patrão moderno. Nunca rompemos de verdade com
o escravismo no Brasil. As relações de trabalho foram escravistas durante 350
anos e não houve uma ruptura como nos EUA. Para a maioria dos descentes dos
escravos continua havendo discriminação. Isso marcou sempre as relações de
trabalho no Brasil. A chamada hoje Polícia Militar, tão violenta, nasce já na
colônia para reprimir escravos, negros. Há uma linha de continuidade, não tem
ruptura, ela continua reprimindo negros.
Como
toda a divisão atual, as centrais podem encontrar um programa mínimo de
enfrentamento a medidas em debate hoje?
É a questão de sobrevivência. Central que não
fizer isso não sobreviverá. Porque a mobilização será muito forte. Esse governo
quer ficar 20 anos no poder. É evidente que não quer eleições; fará de tudo
para ficar. O tempo legal que ele tem é muito pequeno: dois anos. Não dá para
fazer tudo isso. Para fazer tudo, tem que vir com um trator. Trator que vai se
encontrar com as praças, as ruas e as greves.
Qual
sua avaliação do governo Temer?
Vai ser instável pelo conjunto de forças que
deram o golpe, que são contraditórias e ávidas. Querem privatizações, Estado mínimo
e aumento da mais valia. Há uma brutal concentração de riqueza no mundo, o tal
1%, que na verdade é 0,1%. O governo Temer vai ajudar o 0,1%, vai dar muito
milho para o pato. Muita gente vai querer ganhar algum milhinho, e não tem
milho para todo mundo. Haverá divisão. Alguns vão querer a privatização de
tudo; outros, não. Surgirão contradições no grupo, que não é estabilizado e que
é muito envelhecido.
Esse governo não tem projeto, a não ser a
exploração violenta de seu próprio povo. São muito atrasados na análise
mundial. Pensam que estão na época da guerra fria, do pujante desenvolvimento
do capitalismo ocidental. Mas esse modelo está com um problema insolúvel e
teórico: a taxa de lucro do capitalismo é decrescente há mais de 10 anos. Não
adianta ampliar a exploração da mão de obra que isso não se inverte. É preciso
mais ciência sem fronteira O inverso do que está sendo feito. Isso vai nos
levar à barbárie, pois é o contraposto do que tem que ser feito. É
anti-histórico.
Por
que a esquerda segue na sua tradicional divisão, apesar de toda a crise?
Falta bastante teoria. A crítica ao
capitalismo está sendo feita pela extrema direita. É racista, fácil de
resolver: mate o outro. E as massas votam. Não é uma saída, é anti-histórica. O
neoliberalismo não ajuda, pois fragmenta tudo. A superação da fragmentação é
difícil. Ainda acho que não foi superada a forma partido. Hoje para a esquerda
no Brasil se trata de criar uma frente de partidos.
Se coloca a questão do projeto nacional. Esse
governo não sabe o que é isso, não sabe o que é nação. Não sabe onde está no
mundo. Está muito preocupado com suas igrejinhas, quanto eu vou ganhar, como eu
escapo de ser processado. Onde estão os projetos? A questão nacional é
fundamental para todos.
Alguns
falam em cenário futuro de guerra civil. O sr. exclui essa possibilidade?
Longinquamente, não excluo. No bem ou no mal,
com grandes infâmias e grandes lances patrióticos, as Forças Armadas têm um
projeto nacional. Podemos discuti-lo, mas está escrito, foi feito no governo
Lula. Até quando essa força vai suportar a destruição do Estado brasileiro e da
sociedade? Queremos crescer e ser povo feliz, mas a as contradições que essa
classe dominante tem abraçado pode levar a esse tipo de coisa.
O
sr. está pessimista?
Estou preocupado com a crise objetiva
econômica do país, resultante da crise internacional e da crise política. Estou
preocupado com a falta de visão total desse governo, com a sede de vingança
social contra o povo. Como eles estão fora da história e do quadro
internacional, eles não têm condições de recolocar esse país minimamente no
caminho do desenvolvimento e do equilíbrio social. Suas contradições internas
são fortes. Não é um governo com um projeto como o dos militares. Esse governo
não tem força nem projeto. É muito a curto prazo e não vai resolver os problemas
da energia, da indústria, da tecnologia, das relações internacionais, de como
tratar a população, a sociedade civil. Esse governo que não dura.
Fonte:
Folha de SP
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