Imagens: Guilherme Santos/Sul21 |
Marco
Weissheimer
Estamos vivendo um estado de exceção no mundo
inteiro, caracterizado pela eliminação progressiva de direitos, pela
precarização das constituições e pela redução das redes de proteção social a um
modelo assistencialista. É uma situação onde a classe trabalhadora, além de
perder direitos, foi completamente excluída dos processos de decisão e onde a
democracia está se tornando, cada vez mais, mera formalidade. A avaliação é do
jurista espanhol Antonio Baylos Grau
que participou, no início da noite de segunda-feira, do painel “Sindicato,
Estado e Sociedade”, no plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região
(TRT4), em Porto Alegre. Durante uma hora, Baylos, que é catedrático de Direito
do Trabalho na Universidade de Castilla-La Mancha, falou sobre a posição dos
sindicatos no atual estágio das relações entre capital e trabalho, em um
contexto global de fragilização da democracia e de precarização de direitos
humanos, sociais e trabalhistas.
Baylos iniciou sua palestra esclarecendo que
falava do ponto de vista de um jurista comprometido com o conceito de Estado
social e democrático, que está sob ataque em praticamente todo o mundo. “O Direito é um campo de luta”,
afirmou o professor espanhol que avaliou o papel e a posição dos sindicatos em
um contexto onde, no plano econômico, prevalece a apologia da liberdade de
mercado e, no plano político, a separação entre o indivíduo proprietário e o
sujeito como portador de direitos. “Nesta
civilização neoliberal triunfante, a classe trabalhadora foi excluída e
colocada em uma condição subordinada”, acrescentou Baylos
no evento promovido pelo Coletivo Jurídico da CUT-RS, pela Escola Judicial do
TRT4 e pelo Ministério Público do Trabalho.
Os sindicatos, assinalou ainda o professor
espanhol, são os representantes coletivos do trabalho que produz riqueza e
coesão social. Juntamente com o Estado, os sindicatos constituem um espaço para
enfrentar os desequilíbrios neoliberais. “A
figura do sindicato enfrenta hoje um contexto muito mais grave, especialmente
na Europa onde se tornou dominante nas últimas décadas a noção de governança,
expressão da neolíngua liberal que designa políticas que devem ser realizadas
em todo o território europeu para administrar a crise econômica. Na verdade, o
objetivo dessa governança não tem sido controlar a crise, mas sim desmantelar
direitos e rebaixar a rede de proteção social. Neste cenário, a democracia
passou à condição de um sistema formal de consulta não vinculante, como vimos
recentemente na Grécia e em outros países”,
disse Baylos.
A situação na Espanha segue sendo desastrosa,
acrescentou, com o país apresentando o maior índice de desemprego na Europa. “Há um processo anti-social e
anti-sindical em curso que está fragilizando nossos cinturões de proteção
social. As constituições estão sendo deixadas de lado. Elas só são observadas
quando não há crise do capital. A democracia só serve quando não há crise do
capital”. Os sindicatos têm, nesta conjuntura, um
papel muito importante que ultrapassa os limites da atuação corporativa,
defendeu. Essa tarefa se estende também aos juristas comprometidos com a ideia
de um estado democrático e social. “É
necessário construir um espaço cultural e político contra-hegemônico e elaborar
respostas globais, utilizando os espaços de organismos como a OIT e as cartas
universais de direitos. Essa é também uma tarefa para nós juristas”.
O desembargador José Felipe Ledur, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região,
falando sobre o caso brasileiro, lembrou que a opção majoritária dos
constituintes em 1988 foi pela construção de um Estado social. “Acho importante lembrar que nós
temos, em função dessa escolha, um manancial normativo que pode ser utilizado
pelos sindicatos na conjuntura atual. Aos sindicatos não cabe apenas defender
os interesses imediatos de seus associados, mas também a realização dos
direitos sociais previstos na Constituição de uma forma mais abrangente,
incluindo aí categorias que hoje estão excluídas do usufruto de bens vitais. Os
sindicatos precisam universalizar um pouco mais a sua atuação, procurando
influir de modo mais efetivo na formação política da sociedade”,
defendeu o desembargador.
Ledur criticou o discurso de empresários que
defendem uma reforma trabalhista em nome de uma necessidade de “modernização”. “Com um Congresso atual tão atrasado,
como podemos gerar uma legislação trabalhista moderna? Não sairá nada moderno
dali. A proposta de terceirização ampla e irrestrita é um exemplo disso. Em
nosso trabalho, nós testemunhamos a violação sistemática de direitos dos
trabalhadores por meio da terceirização. Pode ficar ainda pior. A ideia da
primazia do negociado sobre o legislado é outro exemplo. É uma proposta que
fragiliza ainda mais os direitos dos trabalhadores, abrindo as portas para a
violação de direitos fundamentais”.
Na mesma linha, Ronaldo Curaldo Fleury, Procurador-Geral do Ministério Público do
Trabalho (MPT), criticou a proposta de terceirização ampla e irrestrita,
destacando que ela traz componentes muito graves para o direito do trabalho. “Em todas as ações de combate ao
trabalho escravo realizadas pelo Ministério Público do Trabalho, a
terceirização está presente. Na terceirização, desaparece a relação entre
capital e trabalho, que é substituída pela relação entre capital e serviço. Se
ela for ampliada como querem os defensores desse projeto, será possível ter
empresas sem trabalhadores, só com prestadores de serviço. Isso pode abrir uma
crise sem precedentes para o movimento sindical. Imaginem se uma fábrica da
Volkswagen puder terceirizar 100% de sua mão de obra, como ficará o sindicato
que hoje representa os trabalhadores dessa indústria?”,
questionou. “A CLT tem 70 anos e já
sofreu inúmeras alterações ao longo do tempo na parte do direito material. Esse
discurso da modernização é uma falácia”, acrescentou Fleury.
O ex-presidente da CUT e atual presidente da
Confederação Sindical Internacional (CSI), João
Felício, também defendeu uma atuação mais ampla dos sindicatos. “Não cabe ao sindicato apenas ter
direito de negociação sobre o salário dos trabalhadores, mas sim desempenhar
uma função social muito mais ampla. Hoje temos no Brasil um governo interino e
ilegítimo que pretende fazer uma profunda reforma na Previdência e na
legislação trabalhista, flexibilizando e precarizando direitos. Quando alguém
fala que vai modernizar as relações entre capital e trabalho pode sair correndo,
pois é um roubo. Na lógica do capital, quando falam em reforma, é sempre para
suprimir direitos e não para ampliar. Modernizar é garantir carteira de
trabalho para as empregadas domésticos”, disse Felício.
O presidente da CSI destacou ainda que os
sindicatos têm que ter opinião sobre esse governo. “A
CUT e as demais centrais sindicais têm o direito de ter opinião sobre os
governos. Eu tenho o direito de dizer que é um governo golpista e pedir ‘Fora
Temer’. A selvageria impera nas relações entre capital e trabalho no Brasil.
Por trás dessas propostas de terceirização e flexibilização da CLT há também o
objetivo de atacar a organização sindical. A CUT jamais vai abrir mão dos
direitos previstos na CLT e vai lutar contra essa agenda”,
assegurou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário