quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

LEI DE LICENCIAMENTO LIVRA BANCOS DE PUNIÇÃO

Foto: Panoramio/Creative Commons


Cláudio Ângelo

Um dos principais instrumentos que permitiram ao governo brasileiro reduzir as taxas de desmatamento encontra-se sob ameaça. E quem aponta a arma é o próprio governo: um projeto de lei em discussão na Casa Civil revoga a legislação que embasou as políticas de corte de crédito para desmatadores, de embargo de propriedades e de corresponsabilização dos bancos por danos ambientais, que vêm sendo aplicadas com sucesso na Amazônia desde 2008. Caso seja aprovado sem modificações, o projeto poderá dificultar ainda mais o controle da devastação, que em 2016 cresceu 29% na região amazônica.
O projeto em questão é a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, originalmente proposta pelo Ministério do Meio Ambiente para tentar fazer frente à série de iniciativas em curso no Congresso para enfraquecer o licenciamento. Em discussão desde maio, o texto sofreu uma metamorfose após chegar ao Palácio do Planalto e passar pelo crivo de sucessivos ministérios. Embora mantenha um dos principais pontos da proposta original – a definição da localização do empreendimento como principal critério de rigor do licenciamento –, a lei tornou-se, em alguns aspectos, semelhante a algumas das propostas que visava suplantar.
A versão à qual o OC teve acesso é datada de 1° de novembro. Distribuída aos conselheiros do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), ela vem acompanhada de uma crítica do MMA (Ministério do Meio Ambiente) às modificações feitas no projeto, que, segundo a pasta, trazem “insegurança jurídica”, “grave retrocesso” ou podem gerar “questionamento da constitucionalidade”.
Entre as mais importantes está a questão do crédito. O novo texto revoga o artigo 12 da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), que determina que órgãos de financiamento públicos não podem bancar projetos sem licença ambiental. Esse artigo foi usado pelo MMA em 2007 para embasar o decreto presidencial que criou a figura do embargo de propriedades com desmatamento ilegal. “Isso foi determinante para a resolução do Banco Central [de 2008] que aprovou o não acesso ao crédito rural aos proprietários com áreas embargadas”, lembra André Lima, secretário do Meio Ambiente do DF e um dos arquitetos do decreto em 2007.
A partir da resolução do BC e da divulgação da lista das fazendas embargadas pelo Ibama, o desmatamento passou a cair consistentemente até 2012. “Aumentou a percepção de risco na Amazônia”, diz João Paulo Capobianco, ex-secretário-executivo do MMA.
A revogação do artigo 12 é um problema em si, pois dificulta a fiscalização. Hoje, a falta de licença ambiental é a maneira mais simples de embargar uma área – já que o desmatamento ilegal, que também gera embargo, precisa frequentemente de verificação em campo. Mas, sozinha, não bastaria para tornar nula a figura do embargo. No entanto, ela vem acompanhada, no texto da nova lei de licenciamento, de outro artigo, que retira dos bancos a corresponsabilidade pelos crimes ambientais.
Hoje funciona assim: segundo a Lei de Crimes Ambientais, de 1998, se um banco público ou privado empresta dinheiro a um desmatador, ele está sujeito às mesmas punições do desmatador. Em outubro deste ano, por exemplo, o Ibama e o Ministério Público Federal de Mato Grosso fizeram uma operação conjunta que terminou com uma multa de R$ 47,5 milhões ao banco Santander por financiar plantio de milho em áreas desmatadas ilegalmente no Estado. Se a mudança na Lei Geral do Licenciamento passar, desaparece a restrição e os bancos poderão financiar desmatamento – e qualquer outra atividade econômica sem licença ambiental – sem temer punição.

ISENTÕES

O novo texto também traz de volta a figura do “fast-track” para licenciamento de obras de interesse do governo. Essa ideia foi proposta num projeto de lei de 2015 pelo senador investigado na Lava Jato Romero Jucá (PMDB-RR). Ele defende que projetos que o chefe do Executivo considere “de interesse nacional” sejam exonerados do rito completo do licenciamento em favor de um rito sumário.
Na proposta original do MMA para a Lei Geral do Licenciamento, o prazo da licença prévia para um empreendimento era de até 15 meses. Na versão na Casa Civil, esse prazo cai para oito meses, que poderão ser reduzidos a quatro no caso de obras “estratégicas”. “O ‘fast-track’ pretendido gerará insegurança jurídica, pois a redução pela metade dos prazos tornará inviável o cumprimento de fases como a audiência pública, o que gerará judicialização”, alerta o ministério.
Outro ponto polêmico é o das isenções de licenciamento. A bancada ruralista e a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) têm pressionado pela retirada da exigência de licença ambiental das propriedades rurais. A isenção consta do projeto de lei de licenciamento do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), apoiado pelos ruralistas, que pode ser votado a qualquer momento na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.
Segundo Márcio Santilli, cofundador do Instituto Socioambiental, ganhar a dispensa de licenciamento é o real motivo pelo qual a poderosa Frente Parlamentar da Agropecuária anunciou publicamente, em novembro, que pediria ao presidente Michel Temer a cabeça do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA), e da presidente do Ibama, Suely Araújo.
O texto da Casa Civil atende em grande parte às reivindicações do agronegócio: isenta de licença todas as atividades agropecuárias em “área rural consolidada”, ou seja, desmatada até 2008; e todas as propriedades com extensão de até 15 módulos fiscais (área que pode chegar a 1.500 hectares em Mato Grosso). E cria outras nove isenções para atividades econômicas diversas, a pedido de ministérios diversos – de modernização de aeroportos a sistemas de transmissão de energia.
O MMA pede muita calma nessa hora. O ministério vinha defendendo a chamada “lista positiva”: o Conama e os conselhos estaduais de Meio Ambiente definiriam quem precisa de licenciamento e todas as atividades fora da lista estariam automaticamente dispensadas. “Quanto mais se estender essa lista [de isenções], maior será a probabilidade de judicialização da futura lei”, avisa.
O texto da pasta ambiental lembra, ainda, que três iniciativas estaduais para isentar a agropecuária de licenciamento, na Bahia, no Mato Grosso, e em Tocantins, foram suspensas pela Justiça.
A Casa Civil afirmou que a minuta do projeto é fruto de uma construção coletiva entre 13 ministérios, além de Ibama, Iphan, ICMBio e Fundação Palmares, “tendo sido alcançados avanços significativos a partir de consensos firmados em grande parte do conteúdo discutido”. A pasta afirma, ainda, que o texto ainda se encontra em elaboração e, portanto, sujeito a novas evoluções. “O estágio atual do processo é de ampliação das discussões que passam a envolver outros atores relevantes, como o Conama, o Congresso Nacional, entidades associativas dos órgãos ambientais nos estados e nos municípios, da indústria, dos serviços, entre outros.”


Atualizado às 13h05 com informações da Casa Civil.

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