Foto: Borges |
Paulo Henrique Pompermaier
Personagem histórica retratada no
livro-reportagem Olga (1985), do escritor Fernando Morais, Olga Benário
Prestes, esposa do revolucionário comunista Luiz Carlos Prestes, vai ganhar,
neste ano, novo estudo que pretende esmiuçar seus últimos anos de vida passados
em prisões e campos de concentração nazista, até seu assassinato em 1942.
O projeto é uma iniciativa de sua filha, a
historiadora Anita Leocádia Prestes.
Baseando-se em quase dois mil documentos inéditos da Gestapo, a polícia
nazista, a historiadora acaba de finalizar a obra, que será publicada ainda
neste ano pela editora Boitempo.
Os documentos, traduzidos do alemão durante
cerca de um ano, estavam na Rússia desde que foram confiscados na tomada da
Alemanha nazista pelos soviéticos no final da Segunda Guerra Mundial. A
documentação foi digitalizada e disponibilizada na internet pouco tempo antes,
iniciativa que encorajou Anita Prestes a escrever uma nova obra sobre a vida da
mãe.
“Há
muita coisa sobre o comportamento dela. São impressionantes os relatos de como
ela enfrenta os nazistas. Fica claro como a Gestapo e as altas autoridades
nazistas foram explícitas em afirmar que ela não poderia ser liberta de maneira
alguma”, afirma a historiadora, que nasceu em 1936 na
uma prisão nazista em que Olga estava detida.
Em 2015, a historiadora já havia publicado
uma obra sobre o pai, Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro, que só
conheceu aos nove anos, quando ele foi libertado, em 1945, pela anistia
política. “Minha mãe já tinha sido
assassinada na Alemanha. Eu vim para o Brasil com a minha tia e conheci meu
pai. Ele também sempre me falava muito de minha mãe, então fui criada nesse
ambiente sabendo muito bem quem eles eram, conhecendo a história desde cedo”,
relata.
Outro trabalho de Anita Leocádia, uma reunião
das correspondências trocadas entre seus pais, também ganhou novas luzes com a
liberação dos documentos. “Só
vimos agora que houve correspondência que a Gestapo vetou. No livro, publicando
em anexo alguns documentos, entre eles essa correspondência inédita entre meu
pai e minha mãe”.
Em entrevista à CULT, Anita Prestes revela
alguns detalhes sobre o livro e comenta os rumos políticos do Brasil que,
segundo ela, ainda precisa “passar pelo caminho da revolução socialista”.
CULT – O que esses documentos da Gestapo dizem de novo sobre o fim da vida de Olga?
Anita
Prestes – Até eu ser separada dela, estávamos em uma prisão para
mulheres em Berlim. Depois de minha retirada ela é mandada para dois campos de
concentração e é assassinada. Isso já se sabia, mas agora há novas informações,
muita coisa que nem nós da família, como minha avó e minha tia que acompanharam
os acontecimentos de perto, não sabíamos. Não posso entrar em muitos detalhes,
mas há muita informação sobre o comportamento dela. A gente sabia que ela era
uma mulher de muita coragem, mas são impressionantes os relatos de como ela
enfrentava as autoridades nazistas. Há uma frase em que ela diz: “Se houve
gente que virou traidora, eu jamais o serei”. Compreende? Nisso ela era
totalmente intransigente, jamais entregou qualquer pessoa, recusava-se
peremptoriamente a passar qualquer informação – o que, sem dúvida, foi um dos
motivos do seu assassinato. O que fica claro é que a Gestapo e as altas
autoridades do governo alemão sabiam o que estava sendo feito com ela e foram
explícitos em afirmar que ela não poderia ser libertada de maneira alguma, e
que deveria ser violentamente castigada. Estavam muito mais preocupados com a
atividade dela como comunista do que com o fato dela ser judia. Ela não foi
assassinada por ser judia, embora isso pudesse pesar. O fundamental é que ela
era comunista, tinha participado das atividades do Comintern e era mulher de
Luiz Carlos Prestes.
E
são quase dois mil documentos, é um volume grande de informação.
E só sobre ela. Os arquivos da Gestapo são
gigantescos, tem tudo o que você quiser lá. Mas é interessante que ela é a
pessoa que tem o maior volume de documentação. Há documentos sobre todos os
partidos comunistas do mundo, sobre a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra
Mundial, mas só sobre a Olga há cerca de duas mil páginas. A Gestapo dá muita
importância à figura dela. Há uma parte bem interessante que são mensagens que
vêm de toda a Europa e dos Estados Unidos, inclusive diretamente à Heinrich
Himmler [um dos principais líderes do Partido Nazi] e outras autoridades,
protestando contra a prisão dela, exigindo sua libertação, exigindo a minha
libertação. Houve uma pressão muito grande da chamada “Campanha Prestes”. Se
não fosse a pressão política, eu naturalmente iria para um orfanato nazista,
onde a criança perdia o nome e virava um número.
Você
já pensava em escrever um livro sobre a sua mãe antes de ter contato com esses
documentos?
O que de melhor podia ser feito, foi feito
pelo Fernando Morais, então eu não ia repetir. Até então não tinha documentação
nova que justificasse um novo livro. Agora apareceu e, por isso, eu resolvi
fazer esse trabalho importante, um resgate da época, para não só conhecerem
Olga e o comportamento dela, mas também saberem o que era a Gestapo, o horror
que foi o nazismo. O requinte de maldade e de perversidade que existe é uma
coisa impressionante. É importante divulgar até para que não se repita essa
história trágica.
Como você, estudiosa e herdeira de um dos
maiores comunistas do Brasil, enxerga as movimentações de esquerda do país
atualmente?
A esquerda no Brasil está muito ruim. Você
vê, há trinta anos, na década de 1980, o meu pai já dizia isso, que não tem
esquerda no Brasil, que acabaram os partidos de esquerda e ficaram apenas as
pessoas de esquerda. Mas os partidos se desgastaram, se desmoralizaram. Estamos
em uma época de retrocesso muito grande. E eu também sigo a opinião dele quando
dizia que a mudança vai ser na luta, pois o capitalismo está aí, a exploração
está aí, as pessoas estão sentindo na própria carne o que está acontecendo. E
aí elas vão começar a lutar, se organizar, procurar caminhos. E o caminho para
levar à vitória vai ser o caminho da revolução socialista, não tenho a menor dúvida
disso. Mas no Brasil vai demorar um pouco, porque aqui a tradição sempre foi de
muita repressão, as classes dominantes impediram o movimento popular de se
organizar. Sempre que se tentou qualquer tipo de rebeldia, ela foi esmagada com
uma violência muito grande. A gente tem quatro séculos de escravidão, um
Império que durou até o final do século passado. O povo foi muito penalizado
pelo poderio das suas classes dominantes, senhores de terras e de escravos. A
realidade brasileira é muito pesada, muito difícil, então demora um tempo até
isso mudar. Mas não sou pessimista. Quem leu O capital de Marx sabe que o
capitalismo não tem futuro. Mas sozinho ele não vai cair, tem que haver as
forças capazes de derrubá-lo. Provavelmente não vou ver isso nos meus dias, mas
não tem importância. Como meu pai dizia, eu só quero colocar um tijolinho nesse
processo.
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