Crescei e multiplicai-vos. A exortação
católica foi tomada ao pé da letra pelo mundo evangélico e além. Desde 2010 no
país sul-americano a cada hora nasce uma nova organização religiosa. São os
dados impressionantes citados na pesquisa realizada pelo jornal O Globo. O fisco brasileiro registrou 67.951 entidades sob a rubrica de
“organizações religiosas ou filosóficas”, uma média de 25 por dia. Segundo o
relatório, os principais motivos que podem explicar o fenômeno são a facilidade
para a abertura de novas igrejas, o fortalecimento do movimento neopentecostal
e os efeitos da situação econômica.
A reportagem é de Rafael Marcoccia, publicada por Tierras de América, 11-04-2017 e
reproduzida aqui na íntegra:
O processo para abrir uma organização
religiosa ou filosófica no Brasil é simples e rápido. Basta registrar a ata de
fundação no cartório, solicitar à Receita Federal o Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica (CNPJ) e pedir à prefeitura
e ao governo do Estado o alvará de funcionamento e a imunidade tributária. A
Constituição Brasileira proíbe a cobrança de imposto de “templos de qualquer
culto”, que são isentos do pagamento de impostos sobre propriedade e de renda
sobre as doações recebidas. O texto constitucional estabelece ainda a liberdade
de culto e, assim, não há a necessidade de apresentar requisitos teológicos ou doutrinários
para abrir uma igreja. A facilidade faz com que muitas organizações sequer
tenham um lugar, próprio ou alugado, para receber os fiéis, informando o
endereço de imóveis residenciais ou de outras empresas como sendo seus.
A reportagem de O Globo ouviu a teóloga Maria Clara Bingemer, que aponta a
migração de fieis como um dos motivos que possibilita o surgimento de novas
entidades religiosas. A experiência mais comum, segundo a teóloga, é o de
integrantes de igrejas que, ao adquirir o domínio da doutrina e das pregações,
resolvem abrir sua própria igreja.
“Os
fiéis dessas igrejas neopentecostais, muitas vezes, são ex-católicos,
ex-protestantes, estavam em outras religiões e migraram. Mas não permanecem:
elas são lugar de trânsito”.
Dados do Instituto Brasileiro de Planejamento
e Tributação (IBPT) citados pelo O
Globo mostram que há 21.333 CNPJs ativos
de organizações religiosas. O estado campeão, no período de janeiro de 2010 a
março desse ano, foi São Paulo, com 17.052.
O enorme crescimento das organizações
religiosas no país despertou muitas suspeitas. A principal é de que muitas
dessas associações são de fachada, criadas apenas para adquirir imunidade
fiscal, sem ter um caráter religioso de fato. Para contornar o problema, está
em tramitação no Congresso brasileiro um projeto de lei para retirar as
isenções, sobre a qual não existe concordância de opiniões.
Outra questão que tem suscitado debates é a
presença maciça de programas produzidos por igrejas evangélicas nas grades das
emissoras de televisão. Sobre o tema, interveio o Ministério Público Federal (MPF), que apura possíveis
irregularidades na prática. De acordo com a reportagem, duas hipóteses
sustentam as investigações, que acontecem no Rio e em São Paulo: a subconcessão,
que é proibida por lei; e o desrespeito ao limite estipulado para a propaganda,
hoje em 25%.
O caso mais notável é o canal de televisão CNT, que em sua programação tem cerca
de 90% da programação vendida para Igreja Universal do Reino de Deus. O Globo
ouviu dois procuradores da República: Pedro
Machado, à frente do processo em São Paulo, e Sérgio Suiama, responsável pela investigação no Rio. Machado afirma
que a prática configura uma “transferência indireta” da concessão para a Igreja
Universal do Reino de Deus. Portanto, “o desvirtuamento de um serviço público
concedido pela União”. Suiama acrescenta outro elemento à discussão: a
desigualdade no uso do espaço de uma concessão pública. Sustenta que “todos podem pregar na praça, mas na
TV, que também é um espaço público, só quem paga pode fazer a pregação”. Só
as igrejas mais poderosas e com mais dinheiro podem financiar isso. “Ou autoriza todo mundo a ocupar o
espaço”, conclui Suiama, “ou
proíbe todo mundo”. De acordo com O Globo, no entanto, o
Ministério das Comunicações não vê irregularidade no caso da CNT. Conforme
consta nos autos do processo, para o Ministério, as regras para radiodifusão
não estabelecem limites para a produção de programas por terceiros, o que, de
acordo com esta interpretação, seria o caso, e não uma relação publicitária.
Também as emissoras acusadas negam irregularidades, sustentando que são
responsáveis pelos conteúdos veiculados e garantem que respeitam os limites
máximos determinados por lei para a exibição de publicidade.
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