Foto:Ricardo Stuckert |
O Blog
Gota D’Água reproduz na íntegra entrevista que Lula concedeu ao Brasil de
Fato. Ex-presidente, que continua a percorrer o nordeste de ônibus, afirma que
é preciso dar esperança ao povo brasileiro, comenta os motivos do golpe que
tirou Dilma Rousseff da Presidência e quem está por trás dessa conspiração.
Lula comenta ainda a necessidade de o povo se manter em luta contra os
retrocessos e por democracia, e seguir acreditando na política.
Na
sua opinião, qual foi o motivo do golpe contra Dilma Rousseff?
Imagem: Brasil de Fato |
Na
verdade, as forças conservadoras nunca aceitaram o resultado das eleições de
2014. A direita se recusou a respeitar a escolha democrática da população. Um
dia depois da eleição, já começou a sabotagem ao governo Dilma e a conspiração
para derrubá-lo. Foi pauta-bomba em cima de pauta-bomba na Câmara e no Senado
para inviabilizar a economia, para assustar investidores e consumidores,
enquanto os projetos do governo, tão necessários ao país, não passavam ou eram
completamente desfigurados. O que está cada vez mais claro, hoje, inclusive
para muita gente que foi enganada pelas mentiras da imprensa, é que não foi um
golpe só contra Dilma ou o PT. Foi um golpe contra a educação e a saúde
públicas, contra os direitos dos trabalhadores e aposentados, para privatizar
as empresas públicas e o pré-sal, para desnacionalizar a Amazônia. Um golpe
contra o país.
Como
o Sr. avalia o papel da mídia e, especialmente, da Globo no golpe?
Os
grandes monopólios de comunicação foram decisivos para o golpe. A Rede Globo,
em particular, foi um dos seus principais articuladores e a sua grande
propagandista. O golpe não teria sido possível sem o ataque sistemático e a
sórdida campanha de desmoralização que a Globo fez ao governo Dilma e ao PT.
Para facilitar o golpe, ela ajudou a abafar as acusações contra os lideres
golpistas (a blindagem a Aécio Neves é um exemplo flagrante disso), que só
viriam a aparecer depois que a presidenta foi derrubada. A Globo não hesitou
nem mesmo em se aliar a Eduardo Cunha para sabotar o governo e o protegeu de
modo escandaloso até que ele terminasse o seu serviço sujo. Ela vendeu ao país
a falsa ideia de que os problemas
nacionais foram criados pelo PT, e que bastaria afastar o PT do governo – mesmo
ferindo a lei e a democracia – para que o Brasil virasse uma maravilha. Hoje,
com a mesma cara de pau, ela tenta convencer os trabalhadores e o povo pobre de
que as pessoas vão viver melhor sem direitos trabalhistas e sem aposentadoria.
O
juiz Sérgio Moro condenou o Sr. na ação sobre o apartamento do Guarujá. O Sr.
também está sendo alvo de outros processos. Por que essa perseguição da
Justiça?
Imagem: Brasil de Fato |
O
juiz Moro, na sentença que me condenou, diz que o tal apartamento não é meu,
mas que isso não importa. Responsáveis pela Lava Jato já disseram que não há
provas contra mim, mas que eles têm a convicção pessoal de que eu sou culpado.
Todo mundo sabe que um principio básico do direito, que é sagrado em todas as
verdadeiras democracias, é que o ônus da prova cabe ao acusador, não ao
acusado. Para outros, esse principio vale. Para mim, não. Minha inocência está
mais do que provada nos autos, mas isso simplesmente não é levado em
consideração. Tenho 40 anos de vida pública, de dedicação aos trabalhadores,
aos pobres, ao país. Será este o meu crime? Ter tirado o Brasil do mapa da
fome? Não posso me conformar com tanta arbitrariedade. Qual a razão dessa
partidarização da justiça? Chego a pensar que os que deram o golpe não podem
admitir que o Lula concorra novamente à Presidência…
Caso
seja eleito, quais são as medidas que o Sr. tomará para melhorar a vida do povo
e os rumos do país?
É
cedo para falar como candidato, muito menos como eleito. Antes, precisamos
impedir que os golpistas destruam os direitos sociais arduamente conquistados
pelo povo brasileiro na última década. E impedir que eles privatizem a preço
vil as empresas públicas. E também é preciso garantir que as próximas eleições
sejam de fato livres e democráticas. Um novo governo, legítimo, que tenha uma
visão progressista do país, pode perfeitamente tirar o Brasil do atoleiro em
que ele esta hoje. Nós já governamos o país e provamos na prática que o Brasil
pode ser uma nação soberana, com
verdadeiro crescimento econômico, geração de empregos, distribuição de renda,
inclusão social e ampliação das oportunidades educacionais em todos os níveis.
Para isso, é preciso acreditar que as classes populares não são um problema, e
sim uma solução. Quando os pobres da cidade e do campo puderem voltar a comprar
é que o comércio vai vender e a indústria produzir e, com isso, o investimento
vai retornar. Será muito importante também elegermos um Congresso melhor que o
atual, com mais representantes dos trabalhadores, dos camponeses, das mulheres
e dos jovens.
O
que o Sr. recomenda em termos de organização e foco à Frente Brasil Popular
para avançarmos na luta contra os retrocessos e por democracia?
A
Frente é uma coisa extraordinária, porque reúne diferentes setores da sociedade
para pensar o Brasil e lutar pela sua transformação. Ela tem sido fundamental
na resistência aos retrocessos políticos e sociais. O foco da Frente está
correto, combinando formulação e mobilização permanente. Penso que é muito
importante também a gente explicar para a população o que estamos defendendo. É
preciso dar esperança ao povo de que outro Brasil é possível e que, com um
governo popular, dias melhores virão.
Por
tudo isso que o Brasil tem vivido, muita gente não acredita mais na política. O
que devemos fazer diante dessa desesperança?
A sergipana Iva Mayara devolve cartão do Bolsa
|
A
gente não tem o direito de desistir. A minha mãe me ensinou isso. A gente tem
sempre que lutar. Tenho 71 anos e não quero desistir. Não desisti de sobreviver
ao nascer em uma região onde muitas crianças morrem antes de completar cinco
anos. Não desisti de organizar os trabalhadores durante a ditadura. Construí
com meus companheiros o maior partido político da América Latina e fui
presidente do Brasil por dois mandatos. Se eu consegui tudo isso sem diploma
universitário, sem pai rico, por que alguém jovem deve desistir? Se você acha
que a política está ruim, entre na política e tente ser você mesmo o militante
ou dirigente político que você sonha para o Brasil.
Hoje,
quem são os principais adversários para termos um país com justiça social,
solidário e com oportunidade para todos?
Eu
acho que hoje tem muita gente ressentida no Brasil, muita gente que está de mau
humor, achando que o egoísmo vai resolver alguma coisa. Tem muito empresário
que quer tirar direitos dos trabalhadores e aposentados sem perceber que se o
trabalhador e o aposentado não tiverem dinheiro, não vão consumir o que ele
produz. A grande força da nossa economia
é o mercado interno. Então ele pode achar que vai se dar bem sendo inimigo dos
trabalhadores e no final as vendas dele vão cair. Tem gente que se ressente da
melhora de vida dos mais pobres e quer um país para poucos, só para um terço da
população. Tem gente que defende quase a volta da escravidão. Essas pessoas
precisam entender que isso não é bom nem para elas, porque um país para poucos
é um país fraco, inseguro, instável. Um país assim não atrai nem investidor
estrangeiro, atrai só parasita em busca de riqueza rápida, que vem extrair
recursos naturais ou comprar empresas baratas. Uma sociedade solidária não é
apenas uma questão de justiça – ainda que isso seja o mais importante – mas
também de necessidade. Quando os pobres e os trabalhadores melhoram de vida,
toda a sociedade vida.
Muitas
vezes os políticos ficam decidindo a vida dos brasileiros e do país fechados em
escritórios em Brasília. O Sr. já fez muitas viagens pelo interior do Brasil,
em caravanas como esta agora no Nordeste. O que o Sr. aprendeu sobre o nosso
povo nessas experiências?
Aprendi
que o povo brasileiro é de uma força e de uma grande generosidade, e que não se
pode governar o país de Brasília, da Avenida Paulista ou da zona sul do Rio de
Janeiro. Para alguém que vive nessas regiões, um programa como o Luz Para Todos
pode não significar nada. Mas ele levou energia, trouxe para o século 21
milhões de brasileiros. Sem luz, um jovem não pode estudar. Sem se alimentar,
com uma boa merenda na escola, o jovem não pode estudar. Criamos o Programa de
Aquisição de Alimentos, que apoia o agricultor local e reforça a merenda com
comida saudável, hoje isso está sendo destruído. A criança tem que comer, mas
também tem que ter roupa para ir à escola. O Bolsa Família exige para o
recebimento do benefício que a criança frequente a sala de aula. Sem
transporte, um jovem da zona rural não pode estudar. Criamos o programa
Caminhos da Escola, que levou ônibus escolares pelo interior do Brasil. Sem
água, como se pode viver, ainda mais estudar? Instalamos milhões de cisternas
no sertão. E se não tem faculdade próxima, como estudar? Ampliamos as
universidades, os institutos federais de ensino, as escolas técnicas, levando
elas para o interior. Foram centenas de novas extensões universitárias em todos
os estados do país. A Bahia tinha só uma universidade federal hoje tem quatro.
Eu conheço pessoalmente o tamanho desse país, que ele não é pequeno, e quem o
governa não pode ter a mente nem a alma pequena. Tem que ouvir o povo, colocar
o pé na estrada, conversar, procurar soluções, dar força para a sociedade
civil. E tem que abrir o palácio ao povo, fazer a sociedade civil participar da
construção das soluções para o país.
Como
o Sr. avalia as ameaças do governo dos EUA diante da situação da Venezuela?
Como o Brasil deveria ter atuado no processo de paz na Venezuela?
É
inadmissível que Donald Trump faça ameaças militares à Venezuela. Aliás, a
qualquer país, em qualquer região do planeta. A Venezuela tem direito à sua
autodeterminação. É o povo venezuelano que deve decidir livremente o destino do
país. Se há uma crise institucional, que se busque superá-la por meio do
diálogo e da negociação política, mas respeitando sempre os governantes que
foram eleitos pelo voto popular, dentro das regras democráticas, como era o
caso do presidente Hugo Chávez e é o caso do presidente Nicolás Maduro. Em
2003, quando a Venezuela vivia uma crise semelhante, eu mesmo propus a formação
de um grupo de países amigos da Venezuela, bastante plural, que acabou
contribuindo para o restabelecimento da normalidade e da paz. Hoje,
infelizmente, o Brasil não tem nenhuma autoridade moral para ajudar. É ridículo um governo golpista, ilegítimo,
inimigo do seu próprio povo, querendo dar lições de democracia à Venezuela.
Quando tivermos novamente um governo democrático e popular, o Brasil voltará a
colaborar, sem interferências indevidas na soberania dos vizinhos, para
consolidar a paz e a estabilidade democrática na América do Sul.
Imagem: Brasil de Fato |
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