Imagens: arquivo |
Mozart Bandeira Arnaud, primeiro
palestrante do Fórum Social das Águas acontecido em Petrolândia – PE ontem (15)
enviou ao Blog Gota D’Água uma antiga matéria de “ÉPOCA” sobre como a tentativa
de privatizar a Chesf no governo FHC conseguiu aliar opositores históricos.
Reproduzimos a reportagem na íntegra a
seguir:
ÉPOCA - CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Venda da Chesf mobiliza quem vive do
São Francisco, une PFL, PSDB, PT, sem-terra e grandes fazendeiros e abre o
debate sobre a posse das águas do país.
OS
DONOS DA ÁGUA
Numa manhã de 1979 o engenheiro João Paulo
Maranhão de Aguiar estava no escritório da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, no
sertão da Bahia, tentando conter uma enchente do Rio São Francisco. Súbito,
entram na sala os irmãos Coelho: "Dona Josefa não pode molhar os
pés", decretaram. A família Coelho, de onde saiu uma dinastia que
controla politicamente a região e domina parte da política pernambucana, é uma
entidade no local. Dona Josefa, a matriarca do clã. Absorvida pelo lago de
Sobradinho, o maior reservatório artificial de água do país, no qual cabem mais
de três cidades do Rio de Janeiro, a enchente não chegou aos pés da matriarca
dos Coelho. A oligarquia de Dona Josefa reina sobre uma das mais extensas áreas
irrigadas em semi-árido do mundo, localizada entre as cidades de Petrolina (PE)
e Juazeiro (BA). Entre os Coelho há dois deputados federais e um prefeito, de
Petrolina, que anda às voltas com a renegociação das dívidas de suas empresas.
A única notícia capaz de abalar a fleuma do clã é a privatização da Companhia
Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), maior geradora de energia do país.
Josefa Coelho não foi invocada até agora, mas
os donos das águas já conseguiram paralisar o processo de venda da companhia.
Em consequência, abalaram toda a privatização do sistema elétrico brasileiro.
Na carona da celeuma provocada em torno da Chesf, as usinas da Eletronorte
também tiveram sua venda desacelerada e os adversários da privatização da Cesp,
maior geradora paulista, também ressuscitaram uma causa que parecia morta.
Arregimentaram até mesmo a insuspeita Federação das Indústrias de do Estado de
São Paulo (Fiesp) para questionar o destino da Hidrovia Tietê-Paraná quando a
vazão das águas estiver sob gestão privada.
Esta não é uma privatização atípica apenas
porque está em jogo a maior fonte de água perene do Nordeste. Esta é a única
privatização já anunciada no Brasil contra a qual está o partido mais liberal
do governo, o PFL. Capitaneados pelo deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), ex-presidente
da Chesf e um dos mais fiéis parlamentares da bancada do senador Antonio Carlos
Magalhães (PFL-BA), os nordestinos pressionaram pelo adiamento da cisão da
empresa, marcada para 30 de março. Os prefeitos da região engrossaram o coro,
liderados por Roberto Magalhães, do Recife, pefelista que governa uma cidade há
seis meses sob racionamento de água. O presidente Fernando Henrique e ACM
combinaram retirar a Chesf da lista de privatizações deste ano. "Dificilmente a empresa será
privatizada antes do ano 2000", diz Rodolpho Tourinho, ministro de Minas e
Energia.
Isso é surpreendente. Tanto no memorando de
entendimento que garantiu ao Brasil o empréstimo de US$ 41,5 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto em sua retificação feita
após a desvalorização cambial, o governo se compromete a concluir a
privatização do setor elétrico neste ano. Depois da desestatização das empresas
de telefonia, os bancos oficiais e as hidrelétricas passaram a ser o maior
chamariz para o capital estrangeiro. Não fossem os problemas surgidos com a
privatização das telefônicas, a pressão política dos pefelistas cairia no
vazio. "Os problemas da
Telefônica, em São Paulo, obrigaram o governo a ficar mais flexível com o setor
elétrico", diz o diretor de pesquisa corporativa do
Citibank, Antônio de Castro.
Para abrigar sob a mesma bandeira a família
Coelho e os sem-terra assentados às margens do São Francisco, a cruzada
antiprivatização do PFL tem como pano de fundo o controle do uso das águas do
mais extenso rio brasileiro. "Sou
a favor de todas as privatizações, até mesmo da energia no resto do país. Mas
vender a Chesf, não", diz o empresário Paulo Coelho, pacato senhor de 70 anos,
decano da oligarquia. O argumento parece-lhe lógico: "A iniciativa privada não
quer saber se a região é pobre e se precisamos de energia subsidiada".
Para ele, a tarifa subirá e empresas privadas controlarão a água com mão de
ferro. "Com o Estado, a
disputa pela água é política. Privatizando, ninguém sabe como fica."
O mesmo canal que alimenta as terras dos
Coelho cruza os 615 hectares da fazenda Mapel, que, há um mês, foi invadida por
500 sem-terra. A invasão foi inspirada no exemplo da fazenda Catalunha, 2.500
hectares de terra irrigados no município de Santa Maria da Boa Vista (BA)
pertencentes ao genro do senador Antonio Carlos Magalhães, César Matta Pires,
um dos donos da empreiteira OAS. O Incra comprou a fazenda e fez o
assentamento. Os novos invasores não querem apenas a terra. Querem água de
graça e financiamento para a irrigação. "Aqui
todo mundo toma dinheiro emprestado para irrigar. Por que nós não podemos fazer
isso também?", pergunta-se Antônio Félix, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Petrolina e líder da invasão. Ele é mais um dos que temem a privatização da
Chesf. "Se é difícil conversar com o governo, imagine com os
estrangeiros."
Mozart Bandeira Arnaud |
Nenhum comentário:
Postar um comentário