sábado, 16 de dezembro de 2017

DE LIBERAIS A SOCIALISTAS PRIVATIZAR A CHESF UNIFICA OPOSITORES HISTÓRICOS

Imagens: arquivo

Mozart Bandeira Arnaud, primeiro palestrante do Fórum Social das Águas acontecido em Petrolândia – PE ontem (15) enviou ao Blog Gota D’Água uma antiga matéria de “ÉPOCA” sobre como a tentativa de privatizar a Chesf no governo FHC conseguiu aliar opositores históricos.
Reproduzimos a reportagem na íntegra a seguir:

 ÉPOCA - CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Venda da Chesf mobiliza quem vive do São Francisco, une PFL, PSDB, PT, sem-terra e grandes fazendeiros e abre o debate sobre a posse das águas do país.

OS DONOS DA ÁGUA

Numa manhã de 1979 o engenheiro João Paulo Maranhão de Aguiar estava no escritório da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, no sertão da Bahia, tentando conter uma enchente do Rio São Francisco. Súbito, entram na sala os irmãos Coelho: "Dona Josefa não pode molhar os pés", decretaram. A família Coelho, de onde saiu uma dinastia que controla politicamente a região e domina parte da política pernambucana, é uma entidade no local. Dona Josefa, a matriarca do clã. Absorvida pelo lago de Sobradinho, o maior reservatório artificial de água do país, no qual cabem mais de três cidades do Rio de Janeiro, a enchente não chegou aos pés da matriarca dos Coelho. A oligarquia de Dona Josefa reina sobre uma das mais extensas áreas irrigadas em semi-árido do mundo, localizada entre as cidades de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). Entre os Coelho há dois deputados federais e um prefeito, de Petrolina, que anda às voltas com a renegociação das dívidas de suas empresas. A única notícia capaz de abalar a fleuma do clã é a privatização da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), maior geradora de energia do país.
Josefa Coelho não foi invocada até agora, mas os donos das águas já conseguiram paralisar o processo de venda da companhia. Em consequência, abalaram toda a privatização do sistema elétrico brasileiro. Na carona da celeuma provocada em torno da Chesf, as usinas da Eletronorte também tiveram sua venda desacelerada e os adversários da privatização da Cesp, maior geradora paulista, também ressuscitaram uma causa que parecia morta. Arregimentaram até mesmo a insuspeita Federação das Indústrias de do Estado de São Paulo (Fiesp) para questionar o destino da Hidrovia Tietê-Paraná quando a vazão das águas estiver sob gestão privada.
Esta não é uma privatização atípica apenas porque está em jogo a maior fonte de água perene do Nordeste. Esta é a única privatização já anunciada no Brasil contra a qual está o partido mais liberal do governo, o PFL. Capitaneados pelo deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), ex-presidente da Chesf e um dos mais fiéis parlamentares da bancada do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), os nordestinos pressionaram pelo adiamento da cisão da empresa, marcada para 30 de março. Os prefeitos da região engrossaram o coro, liderados por Roberto Magalhães, do Recife, pefelista que governa uma cidade há seis meses sob racionamento de água. O presidente Fernando Henrique e ACM combinaram retirar a Chesf da lista de privatizações deste ano. "Dificilmente a empresa será privatizada antes do ano 2000", diz Rodolpho Tourinho, ministro de Minas e Energia.
Isso é surpreendente. Tanto no memorando de entendimento que garantiu ao Brasil o empréstimo de US$ 41,5 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto em sua retificação feita após a desvalorização cambial, o governo se compromete a concluir a privatização do setor elétrico neste ano. Depois da desestatização das empresas de telefonia, os bancos oficiais e as hidrelétricas passaram a ser o maior chamariz para o capital estrangeiro. Não fossem os problemas surgidos com a privatização das telefônicas, a pressão política dos pefelistas cairia no vazio. "Os problemas da Telefônica, em São Paulo, obrigaram o governo a ficar mais flexível com o setor elétrico", diz o diretor de pesquisa corporativa do Citibank, Antônio de Castro.
Para abrigar sob a mesma bandeira a família Coelho e os sem-terra assentados às margens do São Francisco, a cruzada antiprivatização do PFL tem como pano de fundo o controle do uso das águas do mais extenso rio brasileiro. "Sou a favor de todas as privatizações, até mesmo da energia no resto do país. Mas vender a Chesf, não", diz o empresário Paulo Coelho, pacato senhor de 70 anos, decano da oligarquia. O argumento parece-lhe lógico: "A iniciativa privada não quer saber se a região é pobre e se precisamos de energia subsidiada". Para ele, a tarifa subirá e empresas privadas controlarão a água com mão de ferro. "Com o Estado, a disputa pela água é política. Privatizando, ninguém sabe como fica."

O mesmo canal que alimenta as terras dos Coelho cruza os 615 hectares da fazenda Mapel, que, há um mês, foi invadida por 500 sem-terra. A invasão foi inspirada no exemplo da fazenda Catalunha, 2.500 hectares de terra irrigados no município de Santa Maria da Boa Vista (BA) pertencentes ao genro do senador Antonio Carlos Magalhães, César Matta Pires, um dos donos da empreiteira OAS. O Incra comprou a fazenda e fez o assentamento. Os novos invasores não querem apenas a terra. Querem água de graça e financiamento para a irrigação. "Aqui todo mundo toma dinheiro emprestado para irrigar. Por que nós não podemos fazer isso também?", pergunta-se Antônio Félix, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolina e líder da invasão. Ele é mais um dos que temem a privatização da Chesf. "Se é difícil conversar com o governo, imagine com os estrangeiros."

Mozart Bandeira Arnaud


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