Que falta faz, no Brasil, um jornalismo
honesto e capaz de fazer as operações matemáticas essenciais. Na última
sexta-feira, o governo Temer jogou sua última cartada para aprovar, do modo que
for possível, uma contrarreforma da Previdência. Os ganhos esperados pelo
sistema financeiro com a mudança são imensos, e as derrotas anteriores do
governo foram graves. Por isso, a ofensiva recém-iniciada é bruta. São R$ 99,3
milhões, distribuídos em poucos dias, a jornais, TVs, revistas e sites que
enfrentam graves dificuldades financeiras. O dinheiro está surtindo efeito.
Quase todos os jornais estampam hoje matérias recheadas de infográficos, muito
parecidos entre si. Baseados em supostos “estudos demográficos”, procuram
“demonstrar” uma verdade oficial. A Previdência que temos hoje seria
“insustentável”; a redução de direitos, “inevitável”; e será ainda mais
“dolorosa” se tentarmos ignorá-la. Estas matérias têm a solidez de castelos de
areia erguidos para deter um tsunami.
Há poucas semanas, saiu – e foi convenientemente
escondido pelos jornais em páginas secundárias, o relatório final da CPI da
Previdência. Formada num Congresso arqui-conservador e por isso insuspeita de
favorecer a esquerda, ela atesta: “tecnicamente, é possível afirmar com
convicção que inexiste deficit da Previdência Social ou da Seguridade Social”
(…) “São absolutamente imprecisos, inconsistentes e alarmistas, os argumentos
reunidos pelo governo federal sobre a contabilidade da Previdência Social”. O
sistema de Seguridade é são. O problema são os desvios de recursos (para pagar
juros), a divida gigantesca (R$ 450 bilhões) das grandes empresas, nunca
cobrada, as isenções fiscais, o desmonte deliberado da fiscalização.
Mas não é preciso ir tão longe, para
constatar a falsidade dos dados apresentados agora pelo governo, para
justificar a nova versão da contrarreforma da Previdência, apresentada na
última quarta-feira (22/10), pelo deputado Arthur Maia (PPS-BA). Vamos
acompanhar os cálculos dos próprios economistas ligados ao mercado financeiro,
reproduzidos pelo Valor Econômico dois dias depois. Ao elevar a idade mínima
para aposentadoria de homens e mulheres, exigir 40 anos de contribuição para
receber o benefício integral e reduzir drasticamente o valor pago aos
servidores públicos, o governo “economizará” R$ 500 bilhões em dez anos, ou R$
50 bilhões anuais. A propaganda oficial e os jornais financiados pelo governo
repetem, incessantemente, a suposta justificativa: o ajuste é indispensável
para salvar o sistema. Ou se faz isso agora, ou ele quebra.
Será? Dois estudos publicados nos últimos
dias revelam o contrário. O mesmo governo que se diz comprometido em salvar a
Previdência está trabalhando ativamente em destruir as bases de seu
financiamento.
A primeira investigação foi feita por cinco
pesquisadores do Departamento de Economia da Unicamp. Eles calcularam o impacto
brutal representado, sobre as contas da Previdência, pela Contrarreforma
Trabalhista. Além de reduzir drasticamente os direitos sociais, ela tem um
efeito colateral. Estimula os empregadores a contratar trabalhadores como se
fosse pessoas jurídicas (PJs).
Resultado: tanto o trabalhador quanto seu
patrão deixam de contribuir para o INSS. Na ponta do lápis, os professores da
Unicamp chegaram a números chocantes. Cada trabalhador pejotizado representa em
média, por ano, menos R$ 3727,06 para a Previdência. Calcule, numa estatística
conservadora. Se 10% dos 100 milhões de assalariados brasileiros tornarem-se
Pjs, serão, por ano, menos R$ 37,27 bilhões, para o sistema. Escoam por aí
quase 75% das economias que o governo diz fazer com a contrarreforma que
deveria “salvar a Previdência”.
Examinemos uma outra medida. Ainda em agosto,
há pouco mais de dois meses, o governo Temer deu, por decreto, um presente
bilionário e bizarro às mega petroleiras estrangeiras. Quando elas comprarem no
exterior os equipamentos que poderiam ser adquiridos aqui, terão isenção de
impostos. Deixarão, até 2040, de pagar Imposto de Renda e também a Cofins – um
tributo que mesmo as pequenas empresas brasileiras recolhem e que serve
especificamente para financiar a Previdência. Do ponto de vista moral, é um
escândalo. Primeiro, o governo Temer permitiu que as transnacionais explorassem
o petróleo, substituindo a Petrobrás. Depois, desobrigou-as de comprar as
sondas e os navios aqui. Por fim, deu-lhes privilégios fiscais. Mas qual o impacto
econômico do presente? A Abimaq — Associação Brasileira da Indústria de
Máquinas e Equipamentos – calcula: são cerca de 15 bilhões de reais por ano.
Some agora os dois números do rombo produzido
nas contas da Previdência. R$ 37,27 bilhões de prejuízo com a Contrarreforma
Trabalhista, mais R$ 15 bilhões com a isenção de impostos às petroleiras. Ao
todo, R$ 52,27 bilhões por ano. Com apenas duas decisões, duas canetadas, o
governo despedirçou mais do que tudo o pretende arrecadar com a falsa “Reforma”.
A lógica das contas é clara. Não há esforço
algum em salvar a Previdência. O governo tem pressa máxima na Contrarreforma
por outro motivo. Quer criar um novo mercado para os bancos, ao sucatear o INSS
e obrigar milhões de brasileiros a recorrer aos seguros privados. Veja os
números, claríssimos: o processo já está em curso; em meio à crise mais
profunda da história, os fundos de Previdência privada cresceram 19,9% no ano
passado.
O drama da Previdência ilustra a encruzilhada
brasileira. Com apenas 3% de apoio popular, e atolado em múltiplas denúncias de
corrupção, o governo Temer mantém-se apenas por ser o pesadelo do país – mas o
sonho do grande poder econômico. Seus atos estão levando a múltiplos impasses.
Quando seu governo acabar, haverá duas alternativas. Ou nos submeteremos a sua
herança maldita e permitiremos que o golpe, prolongue-se na prática; ou
revogaremos as medidas do presidente e do Congresso ilegítimos, por meio de
referendos populares.
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