sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

A CENSURA, AOS POUCOS, SE INSTALA artigo de opinião por Daniel Filho

O Brasil, assim como a Alemanha nazista,também teve suas queimas de livros



“Vários estudos biológicos demonstram que um sapo colocado num recipiente com a mesma água de sua lagoa fica estático durante todo o tempo em que aquecemos a água, mesmo que ela ferva. O sapo não reage ao gradual aumento de temperatura (mudanças de ambiente) e morre quando a água ferve.
Inchado e feliz (...)
Às vezes, somos sapos fervidos. Não percebemos as mudanças.”

Paulo Coelho

O excerto acima (cujo texto integral pode ser conferido ao final) ilustra o método em que o esfacelamento da democracia e implantação de uma censura vai se colocando em nossas vidas.
Não surge a maioria das ditaduras num rompante, com tanques, sangue e gritos, mas, aos poucos, testando a receptividade...
Em nome da “moral cristã, da família e dos bons costumes” pregam a vigilância e o cerceamento do livre pensamento e a liberdade de expressão.

Peça: "La Betê"

Há poucos anos foram exposições: “Queermuseu” (2017), “La Bête” (2018) que, segundo os vigilantes do Movimento Brasil Livre (MBL) e o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), faziam apologia à pedofilia, zoofilia, pornografia e ou atacavam a fé cristã. Há poucos meses foram as Histórias em Quadrinhos, onde o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivela (PRB) censurou uma revista em quadrinhos dos Vingadores por conter uma cena de beijo entre dois personagens masculinos. Alguns meses depois o secretário de Cultura do governo federal, Roberto Alvim, fez um pronunciamento cujo discurso continham frases semelhantes às do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels.

Cena deVingadores - A Cruzada das Crianças

Há poucas horas (6 de fevereiro de 2020) as Coordenadorias Regionais de Educação de Rondônia receberam uma lista de livros que deveriam ser recolhidos do acervo das bibliotecas escolares por conterem “conteúdo inadequado”.
Os casos mais recentes, em pouco tempo, obtiveram ampla rejeição popular e repercussão negativa nos principais portais de notícias do país, custando o cargo do secretário de cultura e, em Rondônia, recuos.

Lista dos "livros proibidos"

O secretário de educação, Suamy Vivecananda, afirmou inicialmente que a lista vazada se tratava de “fake news” e que não haveria memorando ou qualquer ordem para recolhimento. No entanto, reportagens investigativas comprovaram a existência de memorando forçando o governo, mais uma vez, recuar e desistir de continuar a negar a tentativa frustrada de censura.
Tanto a demissão como o recuo revela uma práxis quando algum ato de governo não repercute bem: demissão, recuo e ou negação dos fatos. A água começando a ferver.
Na lista do governo de Rondônia, clássicos da literatura nacional e universal: “Macunaíma, o herói sem caráter”, clássico de Mário de Andrade; todos os 10 volumes de “Mar de Histórias”, de Aurélio Buarque de Holanda e Paulo Rónai; “Bufo & Spallanzani”, “Diário de Um Fescenino” de Rubens Fonseca; Carlos Heitor Cony com “A Volta por Cima”, “O ato e fato”, “O Irmão que tu me deste” e o “O Ventre”; Machado de Assis, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”; Euclides da Cunha com “Os sertões”; Franz Kafka com o clássico “O Castelo”, são apenas alguns dos diversos nomes presentes.

Imagem: reproduçãoProfessor Rubem Alves

Um detalhe assustador (como se pudesse ter algo ainda mais) da lista dos livros a serem recolhidos é que no rodapé consta uma observação a indicar: “Todos os livros do Rubem Alves devem ser recolhidos”. O psicanalista, educador, teólogo, pastor presbiteriano e, junto com Paulo Freire, um dos principais pedagogos brasileiros, falecido em 2014, seria o mais novo “energúmeno comunista que precisa ser retirado de circulação”? Projeto de extermínio do pensamento da pedagogia popular começando pelos ícones até chegar aos contemporâneos? Ou mera coincidência?
Tal qual a água presente no excerto que inicia esse texto, já ferve a sanha ditatorial de vigiar, punir e queimar livros em praça pública...
Quanto a nós e a democracia? Morreremos inchados e felizes?
Ou só inchados?
Ou só infelizes?

Artigo de opinião por Daniel Filho, professor da rede estadual de ensino de Pernambuco em Petrolândia, sertão de Pernambuco

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2 comentários:

  1. Parabéns, Daniel! Devemos sim, manter a chama viva pela extraordinária Cultura pelos livros e, nunca vermos um livro queimando em chamas.

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  2. Contra a queima de livro, um antídoto: clubes de leitura! Juntemo-nos em grupos e vamos ler. Contra o obscurantismo só muita luz. Resistir é preciso!

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