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Imagens: arquivo |
É
tão grande a quantidade de atrativos e as opções de turismo nesta
nossa Região dos Lagos e Cânions do rio São Francisco, foco da
minha defesa de Mestrado em Portugal, que vale a pena dizer mais que
duas palavras sobre eles. Tantos são que, ao apresentar essa defesa
de Mestrado em Lisboa, em 25 de novembro de 2005, há 16 anos, o meu
arguidor, o Professor Doutor Xavier, do Curso de Doutorado em Turismo
de Portugal me disse ao final da minha apresentação:
“Parabéns, Professor. Eu só não entendo como vocês têm tanto e
não têm nada”.
Obviamente
que ele se referia à falta de visão dos empresários e dos gestores
desta região para a exploração, de forma preservadora desse
riquíssimo tesouro e, de lá para cá, alguma coisa aconteceu. Pelo
menos na região de Xingó e também começam a ser anunciadas
algumas opções de turismo em Delmiro Gouveia, Piranhas,
Petrolândia...
Embora
a atividade de movimentação de pessoas para fins de lazer ou
negócios, conhecida como turismo, exista no mundo há mais de 4 mil
anos e haja exemplos de várias modalidades de turismo na Europa e no
Velho Mundo, há séculos, no Brasil esta atividade é muito nova. O
primeiro curso universitário de turismo no Brasil só foi criado em
1970. Foi a Faculdade de Turismo do Morumbi.
A
visita do Imperador D. Pedro II à Cachoeira de Paulo Afonso, em
outubro de 1859, há 162 anos é o fato mais marcante na região
banhada pelo rio São Francisco nas terras da Bahia, Pernambuco,
Alagoas e Sergipe.
Em
2009 se fez a experiência da retomada dessa Rota do Imperador, mas a
ideia não teve desdobramentos.
E,
há lugares em que a falta de cuidado com patrimônios naturais,
arquitetônicos, históricos pode, infelizmente, levar à perda desse
patrimônio...
Enquanto
na Europa igrejas, ruínas, construções milenares, como o Coliseu,
de Roma, por exemplo, são preservadas e atraem milhões de
visitantes para conhecê-las, no Brasil, mormente em cidades do
interior dos Estados, há um abandono desses ricos patrimônios de
que se aproveitam outros para, aos poucos, os destruírem ou,
distorcer a imagem para a qual foram construídos.
Desses
patrimônios, um destaque são os templos religiosos, construídos em
todo o mundo em lugares elevados, nos centros de grandes praças e
com um cuidado nos seus detalhes, nas suas paredes, nas suas torres e
colunas, nos vitrais que os embelezam, que enchem os olhos de
qualquer visitante. Uma igreja, mesmo em ruínas, é sempre um lugar
de reflexão.
Em
duas viagens que fiz a Portugal quando defendia minha tese de
mestrado sobre o Turismo Sustentável na Região dos Lagos do rio São
Francisco, tive a oportunidade de, em uma delas, visitar a Catedral
de São Pedro ou Catedral de Genebra, da cidade de Genebra, Suíça,
que está situada no centro histórico, foi inaugurada em 1.150, com
uma mistura da Arquitetura gótica, românica e neoclássica e é,
desde 1535, a principal igreja protestante da cidade.
Além
da impressionante construção apoiada em vigorosas colunas e a
estrutura e beleza de suas naves, dos seus vitrais, duas outras
coisas chamaram a nossa atenção: o silêncio e o respeito dos
visitantes que ali chegavam e a preservação, em área de destaque,
de um uma tosca escrivaninha e uma cadeira que foram utilizadas pelo
reformador protestante João Calvino.
Um
detalhe: para se subir nas suas torres, paga-se uma taxa. E todos
querem fazer isso porque a vista panorâmica da cidade é igualmente
impressionante.
Fiz
essa referência porque na Região dos Lagos do rio São Francisco,
as águas dos lagos de Moxotó afogaram a história, a vida e todo o
patrimônio da centenária cidade de Glória, do Povoado Barra e
muitos quilômetros de terras da Bahia.
Assim
também, os 11 bilhões de metros cúbicos de águas da Barragem de
Itaparica inundaram todas as terras agricultáveis de Petrolândia,
cemitérios, as casas da centenária cidade, o rico patrimônio
histórico, cultural e arquitetônico, dentre estes, a Igreja do
Sagrado Coração de Jesus, desta cidade, no Sertão de Pernambuco.
As
ruínas desta Igreja, no meio do Lago de Itaparica, têm merecido a
atenção das pessoas e o seu uso desordenado para vários fins, tem
preocupado o Instituto Geográfico e Histórico do Município de
Petrolândia que vem, há tempo, lutando pelo tombamento desse
patrimônio e pela adoção de medidas que aproveitem esse rico
patrimônio para fins do turismo sem, no entanto, prejudicar a sua
estrutura ou distorcer o seu uso para fins não condizentes com
aqueles para os quais essa edificação foi criada.
A
construção exótica do edifício tem atraído os olhares de
moradores locais e de outros de outras regiões.
Ali
já se fez ensaios fotográficos para noivos. Há algum tempo
promoveu-se a gravação de um clipe, o que, para muitos, foi uma
forma de desrespeito ao local o que gerou, dentre outras ações, o
pedido de tombamento desse patrimônio feito pelo IGH/Petrolândia.
“No
fim de novembro de 2020, o Instituto Geográfico e Histórico de
Petrolândia (IGH), entidade que busca preservar a memória da
cidade, protocolou o pedido de tombamento junto à Fundarpe. A
iniciativa contou com um abaixo assinado que recolheu mais de mil
assinaturas. Em publicação na edição do dia 12/01/2021 do Diário
Oficial do Estado, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico
de Pernambuco (Fundarpe) deferiu a proposta de tombamento das ruínas
da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Petrolândia, no Sertão
de Pernambuco.” Diz o jornal Folha de Pernambuco em sua
edição de 12 de janeiro de 2021.
Paula
Rubens, presidente do IGH, diz: “O mundo todo quer visitar e
queremos muito isso. Entendemos que a cidade pode ter essa vocação
ao turismo, mas queremos um turismo responsável. Esperamos muito
tempo achando que estava ali de certa forma protegida, o pessoal que
transporta também tem interesse que seja preservada. O cenário é
muito bonito, tem muita gente fazendo ensaio fotográfico, mas
queremos que a Fundarpe envie seus técnicos. Podemos fazer 10
visitas por dia, 20 vai complicar, por exemplo”, completou
a presidente do IGH.
Sobre
o pedido de tombamento das ruínas da Igreja, diz a presidente do
IGH: “O pedido foi protocolado no final de novembro, após o
uso do espaço para a gravação de um clip do DJ Bhaskar, irmão
gêmeo do também DJ Alok. O show provocou revolta na cidade de 37
mil habitantes.”
Diz
o jornal Folha de Pernambuco que “Segundo a Fundarpe, quando há um
pedido de tombamento, existe um processo inicial chamado de
tombamento prévio. Quando há o deferimento, como o da igreja de
Petrolândia, o bem passa a compor o rol de patrimônios tombados no
Estado. A partir da publicação no Diário Oficial, ressalta a
Fundarpe, o 'bem já se encontra protegido legalmente contra
destruição e/ou descaracterizações até que haja a homologação
do tombamento com inscrição no Livro do Tombo específico e
averbação em cartório de registro de imóveis onde esse bem
estiver registrado'". Não há um prazo específico para a
finalização do processo.
No
início o mês de novembro de 2021, o assunto voltou a ocupar as
redes sociais quando Milena Gomes que é Geógrafa, Mestra em
Desenvolvimento e Meio Ambiente e membro do Instituto Geográfico e
Histórico (IGH) de Petrolândia que lutou e conquistou, por lei, o
tombamento e preservação da Igreja do Sagrado Coração de Jesus,
publicou uma nota bastante revoltada no Blog Gota D`Água quando
moradores de Petrolândia amarraram um palco na estrutura destas
ruinas, em processo de tombamento.
Em
sua nota, a geógrafa diz: “Não vou fazer juízo de valor em cima
do lazer alheio, longe de mim. Mas olha, um conhecimento básico do
próprio lugar e um pouco de noção são recomendados a quem tem
tanta "pose", não? Nem like no Instagram vai dar pra
angariar se a igreja cair. Pior, a gente perde o caminhar da
atividade turística se perder o principal cartão postal do
município. Agora ruim mesmo, pra mim, seria o apagar da nossa
história.”
E
conclui: “Façam a farrinha, o torneiozinho... o sei lá o quê que
quiserem, mas SE ENXERGUEM, o que vocês ganham amarrando um palco no
último patrimônio de pé do antigo município? Um lago tão grande?
Isso é pra aparecer? Vale a pena? Vocês precisam disso?
Pois
saibam que é crime. Eu espero muito que a Prefeitura tome
providências porque eu mesma já estou tomando. A FUNDARPE e o
ministério público estarão cientes esta semana ainda”.
Em
outros lugares, no Brasil e em outros países, há até o cuidado de
se proteger patrimônios inundados. Por ali, todo o cuidado sempre
parece pouco, como é o caso de Itá, uma cidade submersa na divisa
do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, cuja igreja, inundada com a
cidade, mereceu um cuidado especial para sua proteção e se tornou
ponto turístico.
Enquanto
isso, em outras terras brasileiras, nos sertões nordestinos, as
ações de proteção a esses tesouros quase sempre são lentas e às
vezes chegam tão atrasadas que se tornam desnecessárias porque o
objeto a ser protegido nem existe mais...
publicado em https://www.folhasertaneja.com.br/noticias/paisagens-sertanejas/588757/1