Carlos Cecconello Folhapress |
Coordenador do Programa Fome Zero, que ainda
no começo do Governo Lula foi substituído pelo atual Bolsa Família, Frei Betto escreveu dois livros em que
analisou os Governos petistas: A
Mosca Azul – Reflexão Sobre o Poder e Calendário do Poder. De
Quito, ele respondeu por e-mail aos questionamentos do EL PAÍS sobre o momento político atual, analisa os possíveis
desdobramentos da condução coercitiva do ex-presidente Lula, erros e acertos do
Partido dos Trabalhadores, os rumos do partido e do governo Dilma.
El
País - Como avalia a condução coercitiva do ex-presidente Lula?
Frei
Betto - Vejo como um abuso de autoridade. O juiz Sérgio Moro tem
o dever de respeitar os ex-presidentes da República, inclusive Lula. O
Ministério Público e a Polícia Federal poderiam ter interrogado Lula em sua
casa, não havia necessidade daquela pirotecnia de carro de polícia, homens
armados etc. A ditadura militar tratou melhor o ex-presidente Juscelino
Kubitschek, ao inquiri-lo, do que Lula foi tratado em plena democracia.
EP -
Como viu a reação do PT de pedir a mobilização de seus filiados nas ruas?
Acredita que a polarização entre os lados pode se tornar algo grave para o
país?
FB - O
juiz Sérgio Moro prestou um serviço ao PT que, devido às denúncias de corrupção
que envolvem alguns de seus dirigentes, andava com baixa autoestima. O apoio de
amplos setores da população ao Lula demonstra que ele continua a ser um líder
de massa, talvez o único hoje no Brasil. Não creio que haverá polarizações
graves, além de bate-bocas e empurrões e alguns socos. Porém, me preocupa o
fato de o PT não ter aproveitado seus 12 anos no Governo para politizar a
nação. Por isso, hoje o debate político é mais emocional que racional.
EP -
Você acha que a base do PT ainda está disposta a defender Lula, mesmo diante
das suspeitas de corrupção e dos cortes feitos pelo Governo Dilma?
FB -
Sim, a base do PT é integrada pelo movimento sindical, movimentos populares,
setores das pastorais populares da Igreja Católica e amplo contingente de
eleitores. Embora crítica à desastrosa política de ajuste fiscal do Governo
Dilma, essa base se mobiliza quando se trata de evitar o impeachment e a volta
da direita no Executivo federal.
EP -
Você acredita na inocência do ex-presidente Lula?
FB - Não
tenho nenhuma razão para duvidar da integridade de Lula. Ele seria muito burro
se, com uma trajetória de vida tão exposta, tentasse esconder algo indevido.
EP -
Como vê o fato de o ex-presidente morar e usar com frequência imóveis de
amigos?
FB - É
uma opção dele, e isso nada tem de ilegal, ilícito ou imoral.
EP -
Como vê o futuro do PT? O que o partido precisa fazer para sair dessa crise?
FB -
Precisa fazer uma profunda autocrítica. Embora os Governos Lula e o primeiro
mandato de Dilma tenham sido os melhores de nossa história republicana, muitos
equívocos foram cometidos nesses 12 anos de Governo. Um deles, ter priorizado o
acesso dos brasileiros a bens pessoais, como carro, linha branca (geladeira,
fogão, micro-ondas etc), TV a cores, celular etc. Deveria ter priorizado o
acesso aos bens sociais, como educação, saúde, moradia, saneamento, transporte,
segurança etc. Resultado: criou-se uma nação de consumistas e não de cidadãos.
Daí a raiva de amplos setores que, sacrificados pela alta da inflação e do
desemprego (que já superam dois dígitos), já não pode comprar como antes.
EP -
Lula já se lançou como candidato para 2018. Ele deve mesmo concorrer ou acha
que é o momento de o PT se afastar do poder e se reestruturar?
FB - Lula
só não será candidato a presidente em 2018 se morrer antes ou se Dilma concluir
seu Governo com menos de 10% de aprovação.
EP -
Qual o caminho para o Governo Rousseff?
FB -
Mudar a política econômica, mobilizar o apoio dos movimentos sociais, promover
reformas estruturais, como as política, agrária e tributária.
EP -
Mudar a política econômica significa voltar ao desenvolvimentismo? Economistas
acreditam que isso pode ser perigoso para o país, neste momento.
FB - Perigosa
é essa recessão agravada pelo aumento da inflação e do desemprego. Não sou
economista, mas se é para fazer ajuste fiscal o Governo deveria, primeiro,
exigir sacrifícios de quem tem mais. Promover uma reforma tributária que
obrigue os mais ricos, as 5.000 famílias brasileiras que detêm 49% do PIB, a
contribuírem mais. Há que impor um sistema tributário justo.
Divulgado pela Secretaria Geral do MST
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