Os Operários. Tela da artista modernista
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O Blog Gota D’Água reproduz na íntegra esse importante texto, escrito
para a reflexão do dia 1 de Maio, dia do trabalho, sobre o país que almejamos. Para
uns, para todos? De que forma, num país polarizado entre o fatídico “bem x mal”,
podemos construir uma proposta ampla e justa?
Boa leitura e análise:
Todos os dias, e em especial neste
PRIMEIRO DE MAIO, Dia dos Trabalhadores e Trabalhadoras, somos instigados a nos
debruçarmos sobre rumos e caminhos do mundo, desde o chão do dia-a-dia de nossa
sociedade. E podemos fazer isto, ensaiando perguntar-nos um conjunto articulado
de questões, bem ao nosso alcance, várias das quais apresentando-se-nos
bastante incômodas, graças à sua força de interpelação. Eis como cuido, hoje,
de compartilhar algumas linhas provocativas, sentindo-me eu o primeiro
provocado, com tais questionamentos.
Uma parte imensa de Trabalhadores e
Trabalhadoras, no mundo e no Brasil, graças à sua situação concreta – migração
forçada, incidência de etno-genocídio, feminicídio, violência social,
desemprego, sub-emprego, crescente precarização do trabalho, etc., etc., etc. –
acha-se quase impossibilitados de refletir criticamente e, menos ainda, de
enfrentarem as causas de sua situação. Eles, elas antes as sofrem do que
as compreendem. Ainda assim, muitos deles e delas fazem o que está ao seu alcance.
Mas, nossos questionamentos se dirigem, prioritariamente, a um número
considerável de Trabalhadores e Trabalhadoras, no Brasil, que reúnem, sim,
condições favoráveis de se fazerem questionamentos do tipo: Mergulhados em
terreno pantanoso de uma crise multifacetada (econômica, política, ética,
ecológica, de paradigmas...), temo-nos dado ao INCESSANTE trabalho, não apenas
de buscar compreender melhor o que se passa, mas também de ensaiarmos saídas,
ao nosso alcance?
No empenho em compreendermos melhor o
que acontece no mundo e no Brasil, sem prejuízo das fontes de nossos habituais
parceiros, temos examinado criticamente também outras fontes, que pensam
diferentemente de nós e dos “nossos”, a fim de nos inteirarmos de suas
críticas?
Por mais que nos agradem os
comentários feitos pelos “nossos”, será que, atendo-nos exclusivamente a tais
fontes, não corremos o sério risco de empobrecer nossa visão
(auto)crítica?
Se nos pretendemos fiéis à Classe
Trabalhadora, será que nos limitarmos a analisar a realidade, apenas desde as
fontes que coincidem plenamente com o nosso sentir-pensar-querer-agir, não
acabamos sucumbindo a um grave reducionismo endógeno?
Em seu carisma de exímio analista
social, Eduardo Galeano costumava
dizer que “A história é um
profeta com um olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi,
anuncia o que será.” E quanto a nós, pessoal e
coletivamente, será que nos damos ao trabalho de tomar certa distância crítica
desta síndrome do imediatismo de que vimos sendo reféns, e buscamos
examinar, em relação aos “nossos” analistas de referência quase exclusiva, o
que se dizia e se escrevia dos inúmeros escândalos cometidos pelas forças
dominantes de há quinze, vinte, trinta anos atrás, enquanto hoje, diante
de fatos de semelhante gravidade, o que anda sendo dito e escrito? Quanta
contradição!
Será que temos lembrança e
consciência de nosso programa de ações (organizativas, formativas e de
mobilização), vivenciado nas décadas 70 e 80, no campo e na cidade, e que fomos
progressivamente abandonando ou secundarizando, fazendo vistas grossas a
condições essenciais de transformação social, embriagados e seduzidos pelo
“atalho” da desmedida ocupação dos espaços governamentais, de que acabamos nos
tornando reféns, com altíssimos custos que hoje amarga a sociedade brasileira?
Será que nos damos conta – inclusive
e sobretudo, nossas principais organizações de base – das terríveis
consequências de nosso adesismo, de nossa perda de autonomia, de nossa
credibilidade junto a enormes parcelas das classes populares?
Temos tido o cuidado de priorizar as
análises de quem, a despeito de certos limites, se tem apresentado coerente,
nas linhas-mestras de suas análises, sem comportarem frequentes e graves
contradições (de quem afirma coisas hoje, para negá-las pouco tempo depois,
remanescendo similares os fundamentos da atual realidade, sem fazerem qualquer
autocrítica dos equívocos cometidos)?
Numa sincera busca de retomada, EM NOVO
ESTILO, desses compromissos interrompidos, serão mesmo iguais as chances de
êxito, ante os profundos estragos cometidos – em especial em consequência de um
progressivo desenraizamento de parte expressiva de nossas forças do cotidiano
de nossa gente, inclusive com estilo de vida próximo do nosso povo?
Nos segmentos de esquerda
(partidários, sindicais, populares, eclesiais, etc.), diante do evidente
descrédito experimentado e das pressões internas e externas por mudanças de
rumo e de caminhos, será mesmo razoável que tal processo de autocrítica e de
“renovação” seja conduzido pelas mesmas figuras dirigentes e seus prepostos?
Por mais árduas que sejam as batalhas
travadas e a serem ainda enfrentadas, conforta-nos a convicção de que, ao longo
de sua história, aos humanos não são colocados desafios que, a seu tempo e
graças ao seu esforço persistente, não sejam capazes de superar. Isto posto,
por que razão confiar acriticamente a CONDUÇÃO deste processo às mesmas forças
que, a despeito de terem protagonizado ganhos econômicos inegáveis, malograram
fragorosamente em itens fundamentais da luta ético-política? Uma coisa é seguir
contando com sua participação, outra é seguir confiando-lhes a condução desse
processo, sem que se disponham a emitir sinais convincentes de autocrítica?
Seria mesmo sinônimo de garantia, sob
o pretexto de construir a “unidade”, a qualquer preço, das forças de
resistência aos ataques das classes dominantes e dirigentes, propugnar por uma
reedição sem critérios sustentáveis de simples frentes conduzidas por
lideranças cujos frutos são amplamente conhecidos (por ex.: em matéria de
aliancismo, de associação espúria com o que há de pior das “elites”
brasileiras, enriquecimento ilícito de figuras, parcerias com representantes de
forças antagônicas, recurso habitual a expedientes aéticos)?
Se é verdade que nos empenhamos na
construção de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo e de um novo
modo de gestão societal, por que teimamos em apostar o melhor de nossas
energias criativas, para administrar o inadministrável (o modelo vigente)?
Neste Primeiro de Maio de 2017, eis o
que me ocorre compartilhar, como mensagem de solidariedade a todas aquelas e
aqueles que vivem do trabalho.
Alder Júlio
Ferreira Calado
João Pessoa, 1º de
Maio de 2017
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