quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

MORRE NO RECIFE GATO NOVO: O POETA DO POVO

Foto: Acervo
Sertânia e o Moxotó de luto pela perda do cantador e cordelista faleceu hoje, quinta feira, em Recife Genival Pereira- Gato Novo- conhecido como “O Poeta do Povo”. O Mesmo estava internado no PROCAPE Recife e desde anteontem havia sido encaminhado para UTI daquela unidade de Saúde. Gato Novo sofria de doença de chagas agravada nos últimos anos.
Para o poeta Josessandro Andrade, amigo pessoal de Gato Novo, ele era alguém que,  “com muito bom humor criou beleza e espalhou bondade nos seus versos meu melhor amigo, mais que um irmão, o meu segundo pai. Ficam as boas lembranças dele em cordeis , repentes , canções e músicas. Sertânia e o Moxotó perdem. Gato deixa uma lição de inteligência com humildade, sabedoria do Povo e Deus ganhou Um anjo sem igual: manso, meigo , doce, incapaz de fazer o mal. Com simplicidade, paciência e altivez. Gato Vive!!!!”, disse Josessandro.

HISTÓRIA

Genival Pereira, O Gato Novo, nasceu a 20 de outubro de 1950, filho do Cantador de viola e autor de folhetos de Cordel Antônio Samuel Pereira (conhecido por Gato Velho e parceiro de Pinto do Monteiro, o Rei dos Cantadores, em memoráveis cantorias) e de da dona de casa Josefa Pereira da Silva. Órfão de mãe em tenra idade foi criado por familiares. Apesar de boa desenvoltura na escola, só pode estudar até a 4ª série, pois teve que trabalhar na agricultura. Rapaz, ainda trabalhou em outras profissões, entre as quais a de metalúrgico no Recife.
 Aos 25 anos abraçou a profissão do pai, sucedendo-o no ofício poético.  Na companhia do seu genitor, como repentista relembra com orgulho de momentos especiais como quando cantaram no célebre aniversário de noventa anos do escritor e Mestre da poesia Ulysses Lins (o Trovador do Moxotó), na Fazenda Conceição, na presença também de outro Mestre da Poesia, Waldemar Cordeiro, o Gênio do Lirismo, ou na viagem que fizeram a Cachoeira de Itapemirim, no Espírito Santo, onde conheceram a casa onde o cantor e compositor Roberto Carlos nascera, e, ainda, onde cantaram na casa de Camilo Cola, dono da empresa de Ônibus Itapemirim, que agradou-se bastante da dupla formada por pai e filho.
Na sua trajetória de repentista andarilho participou de Festivais de Violeiros em Olinda, Palmares, Caruaru, Bezerros, Garanhuns, Arcoverde, Sertânia, Custódia, São José do Egito, Afogados da Ingazeira, Tuparetama, Pernambuco, além de Sumé, Prata, Monteiro e Patos, na Paraíba. Também manteve programas de repente, nas Rádios Meridional (Garanhuns-PE), Difusora (Caruaru-PE),Cultura (Palmares-PE), Moxotó  AM (Sertânia-PE) e Cardeal (Arcoverde-PE). Cantou em bodegas, bares, feiras, mercados, em casa de famílias de Sítios ou fazendas, também em escolas públicas.
Emprestou sua voz para cantar as dores e alegrias deste povo, para derramar seu pranto e espalhar seu riso, para celebrar as boas novas e os sentimentos nobres da gente simples.
Fixou-se em Sertânia, cidade de poetas e escritores, terra de poetas da caneta, onde com seu grupo de parceiros de viola Zito Siqueira, Zilmo Siqueira, Sebastião Boca Rica, Zé Batista, Canário e os poetas Admastor Passos, Irasson Bezerra, Noé Alves, Fi de Deus, Nego e Seba Alves vem desenvolvendo um vasto trabalho, cultivando e divulgando a poesia popular em cantorias- pé- de parede, festivais e apresentações em colégios e escolas. A aproximação com os editores do jornal de Poesia Cabeça de Rato, levou não só a publicar seu poemas como também a abrir outros espaços, passando a ser presença obrigatória em eventos dos mais diversos como o FLIS - Festival Literário do Sertão e da SAPECAS - Sociedade dos Poetas, Escritores, Compositores e Artistas de Sertânia, bem como servindo de tema para trabalhos de escolas e faculdades.
A partir de 2008 passou a dedicar-se mais a literatura de cordel, escrevendo e datilografando seu folhetos, que são ilustrados a mão pelos seus netos Tácio e Samuel, e, em seguida, copiados em máquina copiadora. As cópias eram dadas pelo poeta aos seus admiradores. Uma original forma de resistência editorial diante da complexidade elitista das editoras e do parque gráfico, driblando assim, com genial simplicidade, as limitações impostas pelos altos preços. Em 2011 venceu o CLICOS - Concurso de Literatura de Cordel de Sertânia, que teve a participação de poetas de todo o Brasil, obtendo o 1º lugar com o folheto “Briga na Feira”, incluído na coletânea do projeto, intitulada “Cordelteca itinerante”, projeto realizado pela ACORDES - Associação Cultural de Sertânia.  Antes, em 2010, foi o homenageado do I FLIS Cordel, no  IV Festival Literário do Sertão, ao completar 60 anos de vida. Em 2012, mesmo convalescente de uma crise da doença de chagas foi a atração principal na homenagem ao seu pai, Gato Velho, no Festival Gato Velho de Cantadores, realizado pela ACORDES - Associação Cultural de Sertânia, com patrocínio do Programa Mais Cultura, do Ministério da Cultura.
O seu lado autoral também o fez compositor inspirado de músicas em diversos ritmos como vaneirão, baião, xote, canções de viola e músicas religiosas. Artistas como Damião Silva e Romero Silva já gravaram diversos trabalhos seus.
 O registro de sua produção tem sido através da gravação do CD “Viola é cultura”, em parceria com o poeta José Bartolomeu e a publicação do Cordel “Enterro de cachaceiro”, considerado um clássico de sua obra, sendo inclusive declamado pelo Mestre Chico Pedrosa em recitais por ai afora. A qualidade de sua poesia despertou o interesse do cinema. Foi convidado e Participou do diversos filmes, entre os quais “Nassau do sertão”, de Guilherme Araujo, “A botija”, de André Ferreira e “Arabesco Nordestino”, de Wilson Freire.  Recentemente o diretor Alemão Dirck, realizou o documentário “Poetas do Povo”, onde Gato Novo é uma das estrelas do filme ao lado do genial Chico Pedrosa, que vem sendo exibido em diversas partes do mundo.
Das suas últimas aparições públicas destacam–se as apresentações na Recitânia 2015, em abril e na Casa dos Poetas e na inauguração do Hospital Maria Alice, em maio, quando foi ovacionado pelo povo ao declamar o cordel de sua autoria “O novo hospital de Sertânia”.
Sertânia faz homenagens no adeus a Genival Pereira, o Gato Novo. O Prefeito Guga Lins decretou luto oficial de três dias e a Câmara Municipal realizou sessão solene em homenagem à memória do Poeta.  Também estão previstas apresentações da Escola Municipal de violão e da Escola Municipal de Sanfona, além de recital dos que fazem a SAPECAS - Sociedade dos Poetas, Escritores, Compositores e artistas de Sertânia.
Abaixo alguns de seus belos cordéis:

        Poeta Martirizado
(Genival Pereira - Gato Novo)

O fantasma cruel da solidão
Me jogou lá no beco do desprezo
Deu um nó e eu nele fiquei preso
Igualmente um pacote sem visão
Fui levado num velho matulão
Sem saber de onde fui prá onde ia
Onde estava nem quem me conduzia
Fiquei sendo um volume pequenino
Conduzido no saco destino  
Esperando que Deus me tire um dia


Na estrada da velha crueldade
O destino me fez passar por ela
Passo o tempo passando em cima dela
Nas passadas cansadas da idade
No passado passei na mocidade
Perdi passos passando com fracasso
Passei dias de dores e cansaço
Passeava passava passeando
Hoje eu sei por onde estou passando
Amanhã eu não sei por onde passo

Por que é um martírio sem ter luz
Mexe tanto com a vida de um poeta
Crava ele na ponta de uma seta
Lhe obriga a sofrer levando a cruz
Faz igual fizeram com Jesus
Que morreu e depois ressuscitou
Subiu para o céu e lá ficou
Lá na glória do pai ganhou troféu
Jesus Cristo morreu, mas foi pro céu
E eu morrendo não sei para onde vou

Sempre tenho a divina proteção
O apoio sagrado dos arcanjos
Jesus Cristo com o seu coral de anjos
Se dirija em minha direção
Para o céu eu mando esta oração
Pelo anjo carteiro do senhor
Que entregue nas mãos do criador
Lá no trono de sua santa glória
Que Deus mande a coroa da vitória
para um pobre poeta cantador


O SERTÃO E O  VAQUEIRO
(Gato Novo)

No sertão quando amanhece
Tem queijo novo no xinxo
Um jumento solta um rincho
Que o pé da serra estremece
Uma raposa aparece
Arrodeando o poleiro
Roda o pirú no terreiro
Riscando as asas no chão
Quando Deus fez o sertão
Entregou tudo ao vaqueiro

Os passarinhos cantando
Na copa verde da mata
O sol brilhando a cascata
O gado escaramuçando
Uma serra cachimbando
Na altura do nevoeiro
Em cima do juazeiro
Cochila o camaleão
Quando Deus fez o sertão
Entregou tudo ao vaqueiro

O Sertão e terra boa
Deus fez bonito e bem feito
Para ficar mais perfeito
Botou mais de uma lagoa
Deu a ele uma coroa
De xiquexique e facheiro
Alastrado e juazeiro
Mandacaru e pinhão
Quando Deus fez o sertão
Entregou tudo ao vaqueiro

Deus fez meu Sertão amado
Tão cheio de boniteza
Prá completar a beleza
Colocou mulher e gado
Prá ficar mais enfeitado
Lhe vestiu com marmeleiro
Com catingueiro e pereiro
Jurema angico e chorão
Quando Deus fez o sertão
Entregou tudo ao vaqueiro

O sertão é muito lindo
A gente ver todo a hora
Gado pastando na flora
Ver porteira se abrindo
Formiga entrando e saindo
Na boca do formigueiro
Tem cada exu verdadeiro
Redondo como um bujão
Quando Deus fez o sertão
Entregou tudo ao vaqueiro

Eu tenho como um capricho
De ficar observando
Vendo a ovelha pastando
Coberta de carrapicho
Galinha ciscando o lixo
No aceiro do terreiro
E o gado do fazendeiro
Remoendo no oitão
Quando Deus fez o sertão
Entregou tudo ao vaqueiro

Carneiro gordo berrando
A vaca lambando o filho
Cavalo comendo milho
Cabrito novo mamando
Um jerico cochilando
Porco fuçando o chiqueiro
Carro de boi e carreiro
Burro comendo ração
Quando Deus fez o sertão
Entregou tudo ao vaqueiro
    
                              


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