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2015 foi um ano de intensos debates no
legislativo nacional. Temas que pareciam fadados a um sombrio passado, voltaram
à tona e lutar por novas conquistas sociais e avanços econômicos pareceram dar
lugar à luta contra o retrocesso social e trabalhista.
A matéria a seguir nos foi enviada pelo CONGRESSO EM NOTAS/UERJ. Um balanço da
situação atual da tramitação de diversos projetos de interesse popular no
Congresso Nacional como armamento, restrição ao atendimento de vítimas de
estupro, demarcações, religião, autos de resistência, terceirização, rotulagem
de transgênicos, redução da idade de trabalho, privatizações, Eduardo Cunha,
impeachment. As temáticas estão separadas por tópicos. O texto é de Marina
Lacerda e seu teor tem muito a nos dizer sobre o país que vivemos:
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Hoje, inicia-se a sessão legislativa de 2016.
Apresentamos aqui um olhar sobre o legado da atividade legislativa de 2015.
Dada a composição conservadora do Congresso resultante das últimas eleições,
era de se esperar que no ano passado os direitos sociais e de minorias
sofressem vários retrocessos. Contudo, o cenário legislativo não apresentou
tantos resultados conservadores quanto se havia imaginado inicialmente. De modo
geral, as pautas contra direitos avançaram, mas não chegaram à aprovação final.
Parte das propostas de ajuste fiscal que
vieram do Governo foram aprovadas, muitas delas criticadas por sindicatos e
movimentos sociais por colocarem a conta da crise no colo do trabalhador. Além
disso, mesmo no contexto de cortes, por pressão da bancada evangélica foram
anistiadas as multas aplicadas pela Receita Federal a instituições religiosas,
aumentando também o rol de isenções fiscais a essas instituições. Por fim, foi
aprovada a transformação do homicídio de policiais em crime hediondo, ao passo
que o projeto que implicaria na investigação obrigatória das mortes causadas
por policiais nem foi votado.
O financiamento empresarial de campanhas é um
caso à parte. Apesar das intensas manobras de Eduardo Cunha para constitucionalizar
a prática, o STF julgou inconstitucional esse tipo de doação, por entender que
a soberania política pertence ao povo – aos indivíduos, cidadãos – e não às
empresas. O Congresso ainda aprovou lei posterior prevendo a possibilidade
desta prática, mas ela foi vetada por Dilma. Assim, as eleições de 2016 serão
um marco histórico, pois os candidatos não contarão com recursos de pessoas
jurídicas.
A maior parte das pautas conservadoras ainda
tramita. Foram aprovados nas comissões, mas ainda estão pendentes de
deliberação pelo Plenário da Câmara, o Estatuto da Família, o PL 5069, de
autoria de Eduardo Cunha que tipifica como crime contra a vida o anúncio de
meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de
aborto, a revogação do Estatuto do Desarmamento, a PEC 215, que retira do
Executivo a exclusividade de demarcar terras indígenas, e a PEC 99, que estende
a associações religiosas o poder de propor ações de inconstitucionalidade e
ações declaratórias de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal. Foram
aprovadas pela Câmara, mas ainda estão paradas no Senado, a redução da
maioridade penal, a terceirização das atividades fim e a restrição da rotulagem
de transgênicos. A proposição que está mais próxima de ser aprovada, dependendo
só da última palavra da Câmara, é a Lei Antiterrorismo, de iniciativa do
Executivo, patrocinada sobretudo pelo ex-Ministro Joaquim Levy e pelo Ministro
José Eduardo Cardozo.
Portanto, ao lado da disputa sobre o
impeachment e sobre a permanência de Eduardo Cunha como Presidente da Câmara,
esses projetos ainda tramitando significam que o ano legislativo de 2016
promete ser intenso. A seguir, notas sobre algumas das principais pautas.
ESTATUTO DA FAMÍLIA - Foi aprovada por Comissão Especial –
composta principalmente por deputados evangélicos e católicos carismáticos – a
proposta que retira os casais homoafetivos do conceito de família. O PL iria
direto ao Senado não fosse recurso interposto pela Deputada Érika Kokay (PT-DF)
e pelo Deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). O Estatuto seguiu para apreciação pelo
Plenário da Câmara.
RESTRIÇÃO AO ATENDIMENTO DE VÍTIMAS DE ESTUPRO
– PL 5069. A CCJC da Câmara aprovou o projeto de autoria do
Deputado Eduardo Cunha que altera regras sobre o tratamento legal dado a casos
de aborto. O texto aprovado criminaliza quem instiga ao aborto ou quem preste
qualquer auxílio ou até mesmo orientação a mulheres para interrupção da
gravidez. No caso de estupro o aborto só será permitido com exame de corpo
delito. O projeto ainda prevê que “nenhum profissional de saúde ou instituição,
em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar
procedimento ou medicamento que considere abortivo”. Ou seja, o profissional de
saúde não é obrigado a dar as devidas orientações para uma vítima caso ele ou
ela considere que pílula do dia seguinte é abortiva ou que aborto em caso de
estupro não é adequado. A proposta seguiu para apreciação pelo Plenário da
Câmara. Na resistência, destaque para atuação das Deputadas Érika Kokay (PT-DF)
e Maria do Rosário (PT-RS).
ARMAMENTO - Comissão especial aprovou o
que significa na prática a revogação do Estatuto do Desarmamento. O porte de
armas, hoje restrito a policiais e determinadas autoridades como juízes, poderá
ser conferido a qualquer pessoa com requisitos mínimos. O projeto seguiu para
apreciação pelo Plenário da Câmara. Destaque para a atuação dos Deputados
Alessandro Molon (REDE-RJ) e Ivan Valente (PSOL-RJ) na oposição ao projeto.
DEMARCAÇÕES - Depois de 15 anos tramitando na
Câmara, a bancada ruralista conseguiu aprovar na comissão especial a PEC 215.
Inicialmente a PEC previa simplesmente a competência do legislativo para
demarcar terras – o que já impossibilitaria, na prática, futuras demarcações. A
versão aprovada é ainda pior. Transforma as terras tradicionais em equivalentes
a outra propriedade rural: podem ser arrendadas, divididas e permutadas e ainda
receber empreendimentos econômicos. Isso permite a investida de empreendimentos
econômicos sobre terras indígenas homologadas, acabando com a noção de
tradicionalidade. A PEC estende o “marco temporal” (necessidade de os indígenas
estarem sobre a terra tradicional em outubro de 1988) também às comunidades
quilombolas. Ou seja, é danosa também para esses povos tradicionais. A PEC
seguiu para apreciação pelo Plenário da Câmara.
Como continuidade do esforço contra as
demarcações, iniciou-se no ano passado, promovida pela bancada ruralista, a CPI
sobre a FUNAI e o INCRA.
RELIGIÃO – PEC 99. Foi aprovada por comissão especial a proposta que diz que
as associações religiosas podem ajuizar ações de inconstitucionalidade perante
o STF – hoje são legitimadas autoridades públicas e entidades representativas
como sindicatos. O autor da proposta é o Deputado João Campos (PSDB-GO), da
bancada evangélica, e o relator é o Deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG),
católico. A PEC agora precisa ser apreciada pelo Plenário da Câmara.
LEI ANTITERRORISMO - A proposta, de autoria do Executivo, cria o crime de terrorismo
no Brasil. Ela está trancando a pauta do Plenário da Câmara (é o quinto item),
que decidirá qual texto prevalece: o do Senado ou o aprovado pelos Deputados.
Dos 193 países da ONU só 18 tipificaram o terrorismo – todos vítimas de algum
ataque. A maioria dos países tem instrumentos legais para combater o
financiamento das organizações internacionais, mecanismos que o Brasil já tem
previstos na Lei de Organizações Criminosas. Noventa entidades da sociedade
civil apresentaram manifesto contra a tipificação do terrorismo. O Conselho Nacional
de Direitos Humanos aprovou Resolução sobre o tema, pedindo que o projeto fosse
arquivado. Quatro relatores especiais da ONU também expressaram preocupação
quanto ao projeto de lei brasileiro. O Senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e os
Deputados Wadih Damous (PT-RJ) e Paulo Pimenta (PT-RS) têm se manifestado
contra a proposta.
MINERAÇÃO
-
O Código de Mineração é objeto de questionamento de movimentos sociais – cujos
ativistas chegaram a ser presos por dias por se manifestarem contra ele na
Câmara. O Presidente Deputado Eduardo Cunha chegou a anunciar que colocaria em
pauta a proposta, que ainda não passou pela comissão especial, mas que pode
chegar ao Plenário pelo atalho do regime de urgência. O projeto vai ao sentido
contrário das necessidades indicadas pelo desastre de Mariana. Na opinião dos
movimentos sociais ligados à temática, o código antes incentiva que regula a
mineração.
A outra “resposta” à Mariana é o “fast track
ambiental” – PLS 654/2015, do Senador Romero Jucá. O PL foi aprovado pela Comissão
de Desenvolvimento Nacional do Senado. A proposta simplifica o licenciamento
ambiental, inclusive para obras de mineração. Depende agora de deliberação do
Plenário do Senado.
AUTOS
DE RESISTÊNCIA - O projeto, que obriga a investigação de
mortes causadas por policiais – hoje rotuladas na maioria das vezes como
decorrentes de resistência da vítima – está pronto para ser votado pelo
Plenário da Câmara desde 2014. (Já o projeto que previa a transformação do
homicídio de policiais em crimes hediondos transformou-se em Lei em 2015.)
O Executivo publicou, em janeiro de 2016,
Decreto que obriga a investigação dessas mortes. O avanço é expressivo. Mesmo
assim o autor do PL, Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), defende a necessidade de
aprovação da lei, que prevê, além do inquérito obrigatório, que “a vítima não
seja classificada como resistente à intervenção policial, mas sim, tratada de
maneira isenta antes de qualquer investigação”.
REDUÇÃO
DA MAIORIDADE PENAL - Depois de acirradíssimo embate, foi aprovada
pelo Plenário da Câmara a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, nos
casos de crimes hediondos (como latrocínio e estupro), homicídio doloso e lesão
corporal seguida de morte. O resultado foi produto de uma negociação. Havia os
que defendiam o fim de qualquer idade penal, até os que eram contra qualquer
mudança na Constituição. As bancadas evangélica e da segurança pública foram
protagonistas na proposta de redução. A PEC, apresentada em 1993, seguiu para o
Senado.
TERCEIRIZAÇÃO
-
A Câmara aprovou a flexibilização da lei trabalhista. O projeto permite a
terceirização das atividades-fim, e não apenas limpeza, segurança e outras
atividades-meio, como atualmente. O PL seguiu ao Senado. É a maior investida da
história contra o legado varguista. PT e PC do B lideraram as principais
críticas ao projeto.
ROTULAGEM
DE TRANSGÊNICOS -
A Câmara aprovou o fim da exigência do símbolo “T” nos produtos que contém
transgênicos. O autor do PL, Luiz Carlos Heinze (PP-RS), é o mesmo que declarou
que “quilombolas, índios, gays, lésbicas” são “tudo que não presta”. Na
resistência ao projeto, parlamentares como o deputado Padre João (PT-MG) e
Sarney Filho (PV-MS). A proposta seguiu
para o Senado.
TRABALHO
ESCRAVO - O Plenário do Senado chegou a aprovar regime de urgência
para o projeto que regulamenta a emenda constitucional do trabalho escravo. A
nova regulamentação proposta é vista como retrocesso pelos órgãos que lutam
contra o trabalho escravo, pois inviabiliza a atuação dos fiscais do Ministério
Público do Trabalho no combate ao crime. Mas, após audiência pública da
Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, a proposta voltou à
Comissão de Constituição e Justiça do Senado para ser debatida de modo mais
aprofundado.
REDUÇÃO
DA IDADE DE TRABALHO - Está pendente de deliberação a
apreciação a PEC de autoria do Deputado Dirceu Sperafico (PP-PR), que pretende
autorizar o trabalho a partir dos 14 anos (hoje a idade mínima é 16). Os
parlamentares Maria do Rosário (PT-RS), Glauber Braga (PSOL-RJ) e Chico Alencar
(PSOL-RJ) destacam-se na resistência à proposta.
PRIVATIZAÇÕES
-
Depende de deliberação do Plenário do Senado proposta do Senador José Serra
(PSDB-SP) que acaba com a obrigatoriedade de que Petrobrás atue com
participação mínima de 30% nas operações do pré-sal. Também está na ordem do
dia do Senado o projeto de “responsabilidade das estatais” (que faz parte da
Agenda Brasil de Renan Calheiros). Pela proposta, empresas públicas como a
Caixa podem ter parte de seu capital vendido e se transformar em sociedades de
economia mista.
EDUARDO
CUNHA - Em sua
oitava sessão, o Conselho de Ética pôde finalmente votar a admissibilidade da
representação contra Eduardo Cunha, promovida por REDE e PSOL e apoiada por
deputados do PT, PC do B e outros. Cunha se recusou a receber, no dia marcado,
a notificação da admissibilidade. Ele ainda recorreu à CCJ, para anulação de
todo o processo desde a escolha do relator. O Procurador-Geral da República,
Rodrigo Janot, pediu o afastamento de Eduardo Cunha do cargo de Presidente da
Câmara – com argumentos que poderiam inclusive justificar sua prisão, diante da
novíssima jurisprudência segundo a qual parlamentares podem ser presos
preventivamente. O Supremo deve julgar seu afastamento ainda em fevereiro.
IMPEACHMENT
-
O imbróglio segue, mesmo após a decisão do STF que derrubou o rito estabelecido
por Eduardo Cunha para o processo do impeachment.
O Deputado Mendonça Filho (DEM/PE), líder do
seu partido, apresentou projeto que modifica o Regimento Interno, permitindo a
disputa de chapas na eleição da comissão especial para procedimento de
impeachment. A decisão do Supremo havia proibido chapa avulsa por entender que
isto viola a proporcionalidade partidária.
A Câmara apresentou ontem (01/02) recurso
contra a decisão do Supremo, questionando a proibição de chapa avulsa e de
votação secreta para eleição de comissão especial e os outros pontos do
julgamento. Segundo anunciou Eduardo Cunha à imprensa, não ocorrerá eleição de
nenhuma comissão permanente da Câmara até que o STF esclareça sua decisão.
O relator das contas de 2014 na Comissão
Mista de Orçamento (CMO), Senador Acir Gurgacz (PDT-RO), apresentou parecer
pela aprovação com ressalva. O TCU havia recomendado rejeição. As contas do
exercício de 2014 são o principal fundamento de mérito do impeachment.
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