quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

MENOR ENCONTRADO MORTO: CRÔNICA DO REVANCHISMO ANUNCIADO


Foi encontrado morto, em avançado estado de decomposição, o menor C.J. (16). Sua cabeça era pedida constantemente em redes sociais. Justificativa: "era um ladrão que a justiça não dava jeito".
Uma saraivada de balas poupou políticos da (auto)crítica e eleitores “de bem” de serem assaltados pelo indivíduo, pois,

“...TRABALHAMOS E SUAMOS MUITO PARA TER NOSSAS COISAS PRA UM VAGABUNDO VIR ROUBAR...!”

Afinal alguns pagam caro para manter a educação particular dos filhos, o plano de saúde da família, a blindagem dos carros, a eletricidade das cercas de suas torres de marfim para vir “um vagabundo qualquer” lhes tirar a paz.

“NO BRASIL MENOR PODE MATAR, ROUBAR... SÓ NÃO PODE TRABALHAR...!”

O jovem foi alvejado pela ausência de políticas sociais, calibre 12; dos mais variados modelos: falta de educação, ausência de estímulo aos esportes, negação de cultura, lazer, saúde e saneamento. A saraivada de negações interceptaram, inclusive, o seu direito de trabalhar como aprendiz...
Todas essas políticas, quando negadas ou oferecidas de forma precária, passam a variar sua letalidade.  

“...QUEM ESSE MENOR PENSA QUE É?”

O “cidadão de bem” acha correto linchar e matar o que julga “não ter mais jeito”. Se dada a oportunidade, muitos deles poderiam, inclusive, clamar o direito de golpear, pedir um pedaço do crânio, uma gota de sangue que fosse em sua roupa. Afinal, “...esse menor está ousado demais!”. E aí quem não gostaria de um souvenir da lição dada? Quem não compartilharia vídeos e fotos da execução?

“...SE JÁ TEM IDADE PRA VOTAR E ROUBAR, TEM PRA SER PRESO...”

Consciente ou inconscientemente, o “cidadão de bem” crê que bondade e maldade são dons ofertados a indivíduos por seres sobrenaturais. Para eles ou se nasce bom ou mau.

“...SEMPRE FUI POBRE. PASSEI NECESSIDADE, MAS NUNCA PRECISEI ROUBAR!”

Para esses bons são os ricos, por terem merecido estar onde estão (essa tal meritocracia). Muitos consideram, inclusive, que ser rico também é dádiva divina concedida a poucos.
Admitem também taxar como bons alguns pobres. Desde que aceitem calados sua condição e se consumam nas extenuantes jornadas trabalhistas  para propiciar a si a ilusão do consumo. Devem passar a crer que um dia serão como os ricos que o exploram e ridicularizam e defendam essa ideia ferrenhamente... "Bastando acordar cedo e se dedicar à lida!". 
Para eles maus nascem maus. Não há justificativa.

“...DIREITOS HUMANOS PARA HUMANOS DIREITOS!

Não se precisa tentar conhecer suas histórias. Suas motivações? Balela... Coisa de esquerdista... “coisa desse povo dos direitos humanos”... Para eles bandido é bandido e pronto. Tem que morrer. De preferência com linchamento em praça pública para os “cidadãos de bem” se saciarem.

“...LÁ VEM O DEFENSOR DE BANDIDO. LEVA PRA CASA..!”

Dizem alguns. Porém justamente esses que levam o bandido pra casa (quando não os têm na própria família). Levam pra dentro de suas casas e vidas o mais perigoso de todos: o que sonega, o que compra voto, o que desvia, o que corrompe... São os acometidos pela Síndrome de Estocolmo*.

*Síndrome de Estocolmo - estado psicológico particular. As vítimas passam a identificar-se emocionalmente com os criminosos, inicialmente como modo de defesa, por medo de retaliação e/ou violência por parte deles. Fonte: InfoEscola.


“BANDIDO AQUI NÃO SE CRIA...”

Comemoram alguns “cidadãos de bem” que compartilham, embebidos pelo ódio seletivo, nas mais variadas redes sociais, fotos e vídeos de execução. Cadáveres. Mutilação. Tortura. Precisam do sangue. Da humilhação alheia... Para provar que em sua terra natal o bandido terá os dias contados. Mas, como assim que bandido não se cria? Como não? Muitos, inclusive, se candidatam. Muitos, inclusive, se elegem.

“BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO!” ..

E o que fazem os que gostam dessa frase (e todas as outras que intitularam cada um desses tópicos) que já não deram início ao suicídio coletivo?

E assim caminhamos colaborando, seja ativa ou passivamente, pela formação dos monstros que desejamos assassinar. Uma criação em cativeiro para saciar os instintos mais primitivos.
Frases como “dar a outra face”, “amar o próximo como a si mesmo” só cabem aos que “já nascem bons”. Só serão vistos em discursos de púlpito e caminhadas pela paz.
O ladrão que “deram jeito” foi encontrado com diversos tiros.

Quantos de nós não apertou o gatilho?

O corpo do menor estava em avançado estado de putrefação...


Ora, e não estamos todos?

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