Arte: Vitor T |
Definir bem o que é o governo Bolsonaro é o
primeiro passo para derrotá-lo. E para tanto é preciso compreender sua
estratégia.
Esse pequeno artigo não tem pretensão alguma de
esgotar esse tema tão complexo, nem mesmo de apresentar respostas definitivas
sobre ele. A proposta é muito mais (a tentativa) de sistematizar algumas
reflexões que sirvam de questionamento para outras que aprofundem o tema.
O governo Bolsonaro se comporta, entre outras
coisas, com uma sucessão de ‘polêmicas’ (pra usar um termo genérico e suave).
Uma sequência de declarações absurdas e não raras vezes, impopulares. Muitas
vezes declarações e ações que beiram o ridículo. Outras que geram profunda
indignação e reação em amplos setores da sociedade.
Passados
seis meses de governo a popularidade de Jair Bolsonaro e do governo
despencaram. Lógico que não se pode atribuir isso apenas ao exposto acima, mas
certamente isso também teve sua parcela de contribuição.
Governo
trapalhão ou uma estratégia enigmática?
A partir disso, muita gente atribui todo o
conjunto de polêmicas a um ‘governo trapalhão’, incompetente, chefiado por um
ignorante etc. Há ainda a explicação de que tudo não passa de uma estratégia, a
de cortina de fumaça para desviar o foco de assuntos teoricamente mais
importantes. Ou como uma estratégia das tesouras (na qual o próprio governo
cria oposição a si mesmo para assim abafar qualquer alternativa que venha de
fora). A primeira explicaria declarações absurdas de Damares e do próprio
presidente ou dos filhos. Já a última explicaria a publicização constante das
divergências internas de setores do próprio governo.
Há ainda quem defenda que a estratégia de
Bolsonaro seja uma combinação das duas anteriormente citadas.
Essas análises buscam significados ocultos nas
ações do presidente e do governo. Mas convém lembrar também que, às vezes, o
que parece é. Portanto, a hipótese do ‘governo trapalhão’ não pode ser
descartada. Na verdade, em minha opinião, ela explica parte das ‘confusões’ do
governo. Contudo, ela também não explica tudo e não deve nos cegar para duas
coisas: 1) existe realmente uma disputa interna entre diversos setores dentro
do governo; 2) existe realmente uma estratégia do bolsonarismo por trás de
todas as ‘polêmicas’ e ‘confusões’. Sobre este segundo ponto é que pretendo
refletir a partir de agora.
O bolsonarismo, que não é o governo Bolsonaro
mas sim uma parte dele (ou seu ‘núcleo duro’), parece ter feito uma escolha por
uma estratégia política de mobilização constante de sua base social, para o
confronto. Em primeiro lugar contra a Esquerda e tudo que ela representa, mas
também contra instituições do Estado (ou parte delas), parte da Imprensa,
personalidades etc. Todos que representem algum perigo ou empecilho para seu
projeto de hegemonia.
E esta é a maior e mais importante semelhança
entre o bolsonarismo atual e o nazismo na Alemanha ou o fascismo na Itália.
Risco
calculado na marcha rumo ao fascismo
Esta
opção estratégica traz um custo político alto que é a perda de apoio de setores
tidos como de centro ou mesmo ligados à direita mais tradicional, setores (ou
parte deles) que só aderiram a Bolsonaro no 2º turno da eleição ou no final do
1º turno como última alternativa contra o PT. Mas esse é um risco calculado.
Porque se por um lado essa perda de apoio acontece, por outro lado, ao mesmo
tempo, outros dois fenômenos acontecem: 1) com sua radicalização o bolsonarismo
consegue arrastar parte daqueles setores que aderiram a ele de última hora,
ampliando assim a base da extrema-direita no país, seja pela debilidade atual
da chamada ‘Direita tradicional’ (ou não fascista), seja por atiçar
constantemente nas mentes da base tradicional da Direita a ideia de uma ameaça
permanente a ser combatida; 2) a radicalização do bolsonarismo mantém coesa e
animada sua própria base social, como um exército sempre pronto e unido para
combater o inimigo.
Assim, o que aparentemente é uma contradição, uma
estratégia que busca consolidar hegemonia mas cria ao mesmo tempo divisões nos
setores que ajudaram o bolsonarismo a chegar ao governo, é na verdade, o maior
trunfo do bolsonarismo para alcançar seu objetivo.
Isto
porque o bolsonarismo não busca hegemonia através do estabelecimento de
‘consensos sociais’ a partir de suas ideias. Melhor dizendo, este não é o meio
que ele utiliza para buscar hegemonia. O bolsonarismo não tem a ilusão de se
estabelecer como hegemônico através do convencimento da maioria da opinião
pública. Mas sim através da formação de uma minoria convicta, radicalizada e
sedenta de ódio. Por isso Bolsonaro precisa estar constantemente alimentando de
ódio essa sua base social. Por isso tantas declarações e ações absurdas. A base
do bolsonarismo precisa estar sempre pronta para o combate, porque é dessa
forma que eles tem o poder de ameaçar instituições, pessoas, partidos etc.
Não há outro caminho para o bolsonarismo senão
elevar (ou ao menos tentar) gradativamente os níveis de autoritarismo do Estado
brasileiro. Assim a perda de popularidade não é exatamente um problema para
ele, desde que esteja acompanhada da consolidação de uma base cada vez mais
convicta e radicalizada.
O ódio
que alimenta o Bolsonarismo
A tendência do bolsonarismo é aumentar cada vez
mais a repressão política, a perseguição aos adversários, a ‘caça às bruxas’ na
Imprensa etc. Perseguição que não deve se resumir à Esquerda, como já não vem
se resumindo, mas incluir todos os setores que de alguma forma o ameacem ou
representem para ele algum obstáculo. A perseguição e a repressão política
cumprem aí função dupla: manter mobilizada a base do bolsonarismo e; remover ou
eliminar toda e qualquer oposição a ele. E para isto ele se vale não só do
Estado, mas também e em muitos momentos principalmente, de suas hordas de
seguidores. Para ameaçar, constranger, promover agressões ou coisas piores
contra seus opositores, ainda que pontuais.
A estratégia bolsonarista é o caminho em
direção ao fascismo cujo objetivo só estará completo com a eliminação,
inclusive física, de qualquer oposição a ele. Portanto, se engana quem aposta
no arrefecimento ou diminuição da polarização daqui pra frente. Assim como se
enganou quem apostou que isso aconteceria após a eleição. A polarização e a
radicalização política fazem parte da própria essência do bolsonarismo. Delas
ele se alimenta e sem elas não sobrevive.
Engana-se também quem nutre a ilusão de que se
o “lado de cá” der alguma trégua (como se fosse possível oferecer trégua a quem
quer nos eliminar) o “lado de lá” então acalmaria seus ânimos. A mesma ilusão
embalou parte da Esquerda há quase cem anos diante da ascensão do nazismo e do
fascismo. O resultado final é conhecido por todo mundo.
O bolsonarismo persegue, ataca e alimenta o
ódio contra LGBT’s porque este ódio alimenta o próprio bolsonarismo e o
fortalece. Não há nada que a população LGBT faça que vá acalmá-lo. O bolsonarismo
persegue, ataca e alimenta o ódio contra a Esquerda porque com isto ele cresce.
Nenhum comportamento dócil ou moderado da Esquerda o fará recuar disso.
Para o conjunto da Esquerda, LGBTs e todas as
demais vítimas do ódio e perseguição do bolsonarismo só há um caminho: a
resistência política. À altura da necessidade do enfrentamento que o próprio
bolsonarismo impõe.
Lutar contra e derrotar o bolsonarismo não é
uma opção. É uma necessidade vital! E só é possível enfrentá-lo através de um
combate permanente contra ele. Sem nenhuma trégua, sem nenhuma concessão.
E óbvio
que é necessário escolher onde centrar fogo, em quais debates devemos priorizar
mais energias, escolha que pode mudar a cada momento. Mas é fundamental a
compreensão de que o bolsonarismo precisa ser combatido em todos os seus
aspectos, porque de cada um deles ele se alimenta e se fortalece.
Derrotar
o fascismo é uma necessidade vital
A luta contra o bolsonarismo tende a ser longa
e difícil. Cheia de avanços e retrocessos momentâneos. Não podemos nem nos
iludir com os avanços imaginando que na próxima esquina Bolsonaro cairá. Nem
tampouco podemos nos deixar abater pelos retrocessos.
Não é a primeira vez que o fascismo tenta
avançar sobre o mundo. Ele foi sempre derrotado antes. Porque as gerações
anteriores à nossa compreenderam que combatê-lo não era uma opção e sim a
missão de suas vidas.
Derrotar
o bolsonarismo não é nossa escolha. É a tarefa de nossa geração! A missão de
nossas vidas!
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