segunda-feira, 8 de março de 2021

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI... DELAS ...QUEM SABE FAZ HORA…

 


No Brasil, a cada duas horas uma mulher tem sua vida ceifada; em 2018, estatística macabra, foram 4.800 feminicídios.



Peço licença, sem querer ser impertinente, para um intróito, sinto, logo existo, a vida é de encantos e encontros, apesar de tantos desencantos e desencontros, permeando as relações entre homens e mulheres, já em tempos imemoriais, no trespassar da sociedade matriarcal, acolhedora, solidaria e pacificadora, para a sociedade patriarcal, indubitável, uma abrupta ruptura de paradigmas, com predominância na violência, igolatria, anti-solidariedade, da guerra de todos contra todos, e por fim, o subjugamento da mulher pela força.
De consignar que em período imemorial, mormente na divisão sexual do trabalho, a mulher encontrava-se sob dominação masculina, uma vez que, os chefes tribais em constantes guerras para expandirem seus territórios precisavam de guerreiros, assim, fogão, cama e procriar combatentes reduziu-se as belas fêmeas.
O ex-Frei Leonardo Boff em inenarrável obra literária (Saber cuidar: ético do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999), em benfazejo repositório, faz um bosquejo referente as transformações ocorridas nas relações humanas, no perpassar da era paleolítica a neolítica, perlustremos,
No paleolítico esta percepção de que somos Terra constituiu a experiência-matriz da humanidade. Ela produziu uma espiritualidade e uma política.
Primeiro uma espiritualidade: a começar pela África, há alguns milhares de anos, especialmente a partir do Saara, quando era ainda uma terra verde, rica e fértil, passando por toda a bacia do Mediterrâneo, pela Índia e pela China, predominavam as divindades femininas, a Grande Mãe negra e a Mãe-rainha. A espiritualidade era de uma profunda união cósmica e de uma conexão orgânica com todos os elementos como expressões do Todo.
Ao lado desta espiritualidade surgiu, em segundo lugar, uma política; as instituições matriarcal. As mulheres formavam os eixos organizadores da sociedade e da cultura. Surgiram sociedades sacrais, perpassadas de reverência, de enternecimento e de proteção à vida. p. 77/78.
A partir do neolítico começaram a predominar os valores do masculino, fundando uma nova política. Os homens assumiram a hegemonia da sociedade. Instauraram o patriarcado com o submetimento da mulher e a dominação sobre a natureza. A perda da re-ligação de tudo com tudo é fruto da cultura patriarcal que não integrou as contribuições anteriores do matriarcado. Ela subjaz nas nossas principais instituições políticas e religiosas atuais, grifos não constantes no original. p. 81.
O modo-se-ser-cuidado revela a dimensão do feminino no homem e na mulher. O feminino esteve sempre na história. Mas no paleolítico ganhou visibilidade histórica quando as culturas era matrifocais e vivia-se uma fusão com a natureza. As pessoas sentiam-se incorporadas no todo. Eram sociedades marcadas pelo profundo sentido sagrado do universo e pela reverência face à misteriosidade da vida e da terra. p.96/97.
O advogado José Roberto de Castro Neves, em profícua obra “A Invenção do Direito” - 1. ed. Rio de Janeiro: Edições de janeiro. 2015. P. 207. - , através da dramaturgia grega, precisamente 431 a.c. apresenta a preocupante situação da mulher, naquela sociedade machista, vejamos,
Também em Medeia, Euripedes denuncia, para a machista Atenas de sua época, que de todos os seres que sobre a terra morrem e brotam, o mais sofredor é a mulher.
Na seqüência do dito processo pré-civilizatório, exsurge a poliandria, a mulher sequer tinha o poder de escolher, o básico, seu parceiro(Engels, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado), era realidade palmar do abissal fosso de paridade entre os sexos; também de fácil percepção na fase pré-contratual hobbesiana, com o homem solitário, violento, ególatra, impregnado de individualismo, permeava as relações, descambando ao extremo da “guerra de todos contra todos”, num contraponto ao bom selvagem de Rousseau.
Em Casa Grande e Senzala do saudoso Gilberto Freyre, os meios de produção da monocultura escravocrata, delineavam as relações do sistema patriarcal machista, com a mulher reduzida a mercadoria, procriar e aos fazeres domésticos.
Há que se registrar as lutas históricas pela emancipação da mulher, o direito ao voto e trabalho digno, origens do dia Internacional da Mulher, com a passeata de 15 mil mulheres norte-americanas(1913), na Rússia(1917), indo as ruas contra a fome e a guerra, o pontapé inicial da Revolução bolchevique.
No Brasil, existe reivindicação do trágico acidente na fabrica de blusas Triangle nos Estados Unidos da América, com chamas iluminando as trevas de uma noite de terror, um grande incêndio ceifou a vida de 125 mulheres.
Com fim da trágica 2ª Guerra Mundial, exsurgiu a luta pela descolonização das nações do terceiro mundo, com o movimento pela libertação, as mulheres tiveram oportunidade de participarem proativamente, reivindicando seus direitos, sendo vanguarda a filosofa e escritora Simone de Beauvoir, com a profícua obra “ O Segundo Sexo”.
O ápice da quebra dos grilhões, ocorrera com o surgimento do contraceptivo entrelaçado pelo movimento da contracultura dos anos 60, desvinculando-a da função procriativa, jungidos a luta pelos direitos civis nos Estados unidos da America, reboou o grito de liberdade com mais firmeza contra o subjugamento das mulheres.
Indubitável, que da vez primeira, a revolução industrial alargou o campo de labor para as mulheres, além do doméstico, mas punindo-as com árdua dupla jornadas.
Sem dúvida, que o divisor d”águas, foi a revolução tecnológica, da microeletrônica, cibernética, comunicação por satélites, velocidade dos transportes, expansão das redes de informações pela internet, em fim, a revolução tecnológica, deu condições as mulheres de libertar-se do jugo patriarcal, com o deslocar do poder dos bíceps, para a conexão neuronal, captura das informações, interpretando o mundo e remodelando-o a sua maneira de pensar e agir, mitigou sua dependência, pois, hodierno o poder estar ao alcance de um simples apertar de um mouse de computador.
De outro giro, às vezes, irracionalmente irrompe em viés de violências intrafamiliar, causa indubitável do entranhamento da cultura patriarcal machista, como se observa no exortar da filosofa MARCIA TIBURI(FEMINISMO EM COMUM. RJ. ED. Rosas dos Tempos. 2018.45 e 96)
O patriarcado se constitui por uma equação, de um lado ficam os homens e o poder, de outro, as mulheres e a violência.”
O machismo se sustentou no mando, na autoridade e no autoritarismo.”
É de se ver, sem destoar, os belíssimos ensinamentos da notável doutrinadora, MARIA BERENICE DIAS(A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P.107)
Ninguém duvida que a violência doméstica tenha causas culturais, decorrentes de uma sociedade que sempre proclamou a superioridade masculina, assegurando ao homem o direito correcional sobre a mulher e os filhos”.
Por fim, o legislador pátrio, não é um néscio, vem acompanhando a evolução das transformações sociais, sexuais, e dos direitos dos homens, tendo insculpido na Magna Carta de 1988, o artigos 5.º caput e 226 § 5.º “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
Não justifica o uso da força e truculência como método de dominação, mas os instintos atávicos das primevas sociedades, arraigados nas instáveis relações humanas, basta em ínfimo de segundo de um abalo sísmico para fraturar a fina camada protetora a qual nos separa do mundo cão, para o mergulho na barbárie sexista, do estereotipo da mulher objeto, um prêmio em disputa entre os machos.
O saudoso sociólogo Bayman, em belíssimo lampejos de sapientes ensinamentos, adverte, “A casca de civilização sobre a qual caminhamos é sempre da espessura de uma hóstia. Um tremor e você fracassou, lutando por sua vida como um cão selvagem.(Medo Liquido, Bauman. P. 25.)

No dia a dia, mormente em lugares públicos, no imaginário machista, uma mulher desacompanhada está a disposição, retorno a vetusta sociedade endogâmica.
Sozinha em restaurante ou bares, é observada com um objeto de conquista, mas enquanto só, não existe estímulo, basta um macho se aproximar, para o despertar daqueles que a espreitavam.
É de se ver a exacerbação simbólico do erotismo-sensual arraigada na mulher objeto, fazedor do imaginário machista, também explorado pela mídia, propagadora da venda de desejos, mormente na festa dionisíaca o Carnaval, uma grande rede TV exibe uma mulata seminua, “Globeleza”, indaga-se por que não “Globelezo”, um mulato seminu sambando.
A par disso, é revelador a marca de uma cerveja “devassa”, e não “devasso”, a justificar o arquétipo da mulher objeto, o fetichismo da erotização do corpo em detrimento dos valores intrísecos da dignidade do ser mulher.
No vestuário também se exibe mais os corpos femininos, para as mulheres, são exposta em vitrines, sempre com decotes, tem mostrar uma parte do corpo; por outro lado, o vestuário masculino, são roupas comportadas e confortáveis.
Não nasce mulher, torna-se mulher” exortava a filósofa francesa Simone Beauvoir, diante de um mundo feito pelo homem, a mulher tem refazê-lo, enfrentando as barreiras de coerções, ícones, símbolos e tabus.
Para instigar o debate, a filósofa e escritora criticava esse mundo fragmentado, ambivalente, ausência de unicidade no mundo feminino, o preto descobriu seu opressor; o amarelo Vietcong; o operário, menos a mulher, ainda não descobriu seu opressor.
O feminismo sem uma educação libertadora, torna-se maniqueísta, numa inversão de pólos, o oprimido de hoje o futuro opressor do amanhã. Importa sim, uma interação com os excluídos da partilha dos bens da vida, mormente, Justiça.
As vezes, o dogma machista patriarcal apresenta-se em forma de disfarce machista, os dogmas do patriarcado arraigado, pois que adianta a Madame Bovary, usar um tailleurs Chanel, Versace, bolsas Louis Vuitton, e pagar uma miséria salarial a sua empregado domestica.
O psicanalista Flávio Gicovake, em grandiosa obra “Homem sexo frágil”, trata do inato poder de atração feminino, num contraponto ao inferior e dependente poder erótico visual masculino.
Por derradeiro, ainda em harmonia, outra obra do psicanalista citado, “Uma nova forma de amar”, um perscrutar nos atritos das relações entre homem e mulher e como revolucionar, senão, mudando os paradigmas, onde os opostos se atraem, substitui-se o generoso+egoistas, por genoroso+generosos.

Manuel Gabriel Neto




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