No Brasil, a cada duas horas uma mulher tem sua vida ceifada; em 2018, estatística macabra, foram 4.800 feminicídios.
Peço
licença, sem querer ser impertinente, para um intróito, sinto, logo
existo, a vida é de encantos e encontros, apesar de tantos
desencantos e desencontros, permeando as relações entre homens e
mulheres, já em tempos imemoriais, no trespassar da sociedade
matriarcal, acolhedora, solidaria e pacificadora, para a sociedade
patriarcal, indubitável, uma abrupta ruptura de paradigmas, com
predominância na violência, igolatria, anti-solidariedade, da
guerra de todos contra todos, e por fim, o subjugamento da mulher
pela força.
De
consignar que em período imemorial, mormente na divisão sexual do
trabalho, a mulher encontrava-se sob dominação masculina, uma vez
que, os chefes tribais em constantes guerras para expandirem seus
territórios precisavam de guerreiros, assim, fogão, cama e procriar
combatentes reduziu-se as belas fêmeas.
O
ex-Frei Leonardo Boff em inenarrável obra literária (Saber cuidar:
ético do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes,
1999), em benfazejo repositório, faz um bosquejo referente as
transformações ocorridas nas relações humanas, no perpassar da
era paleolítica a neolítica, perlustremos,
No
paleolítico esta percepção de que somos Terra constituiu a
experiência-matriz da humanidade. Ela produziu uma espiritualidade e
uma política.
Primeiro
uma espiritualidade: a começar pela África, há alguns milhares de
anos, especialmente a partir do Saara, quando era ainda uma terra
verde, rica e fértil, passando por toda a bacia do Mediterrâneo,
pela Índia e pela China, predominavam as divindades femininas, a
Grande Mãe negra e a Mãe-rainha. A espiritualidade era de uma
profunda união cósmica e de uma conexão orgânica com todos os
elementos como expressões do Todo.
Ao
lado desta espiritualidade surgiu, em segundo lugar, uma política;
as instituições matriarcal. As mulheres formavam os eixos
organizadores da sociedade e da cultura. Surgiram sociedades sacrais,
perpassadas de reverência, de enternecimento e de proteção à
vida. p. 77/78.
A
partir do neolítico começaram a predominar os valores do masculino,
fundando uma nova política. Os homens assumiram a hegemonia da
sociedade. Instauraram o patriarcado com o submetimento da mulher e a
dominação sobre a natureza. A perda da re-ligação de tudo com
tudo é fruto da cultura patriarcal que não integrou as
contribuições anteriores do matriarcado. Ela
subjaz nas nossas principais instituições políticas e religiosas
atuais, grifos
não constantes no original. p. 81.
O
modo-se-ser-cuidado revela a dimensão do feminino no homem e na
mulher. O feminino esteve sempre na história. Mas no paleolítico
ganhou visibilidade histórica quando as culturas era matrifocais e
vivia-se uma fusão com a natureza. As pessoas sentiam-se
incorporadas no todo. Eram sociedades marcadas pelo profundo sentido
sagrado do universo e pela reverência face à misteriosidade da vida
e da terra. p.96/97.
O
advogado José Roberto de Castro Neves, em profícua obra “A
Invenção do Direito” - 1. ed. Rio de Janeiro: Edições de
janeiro. 2015. P. 207. - , através da dramaturgia grega,
precisamente 431 a.c. apresenta a preocupante situação da mulher,
naquela sociedade machista, vejamos,
“Também
em Medeia, Euripedes denuncia, para a machista Atenas de sua época,
que de todos os
seres que sobre a terra morrem e brotam, o mais sofredor é a
mulher.”
Na
seqüência do dito processo pré-civilizatório, exsurge a
poliandria, a mulher sequer tinha o poder de escolher, o básico, seu
parceiro(Engels, A origem da Família, da Propriedade Privada e do
Estado), era realidade palmar do abissal fosso de paridade entre os
sexos; também de fácil percepção na fase pré-contratual
hobbesiana, com o homem solitário, violento, ególatra, impregnado
de individualismo, permeava as relações, descambando ao extremo da
“guerra de todos contra todos”, num contraponto ao bom selvagem
de Rousseau.
Em
Casa Grande e Senzala do saudoso Gilberto Freyre, os meios de
produção da monocultura escravocrata, delineavam as relações do
sistema patriarcal machista, com a mulher reduzida a mercadoria,
procriar e aos fazeres domésticos.
Há
que se registrar as lutas históricas pela emancipação da mulher, o
direito ao voto e trabalho digno, origens do dia Internacional da
Mulher, com a passeata de 15 mil mulheres norte-americanas(1913), na
Rússia(1917), indo as ruas contra a fome e a guerra, o pontapé
inicial da Revolução bolchevique.
No
Brasil, existe reivindicação do trágico acidente na fabrica de
blusas Triangle nos Estados Unidos da América, com chamas iluminando
as trevas de uma noite de terror, um grande incêndio ceifou a vida
de 125 mulheres.
Com
fim da trágica 2ª Guerra Mundial, exsurgiu a luta pela
descolonização das nações do terceiro mundo, com o movimento pela
libertação, as mulheres tiveram oportunidade de participarem
proativamente, reivindicando seus direitos, sendo vanguarda a
filosofa e escritora Simone de Beauvoir, com a profícua obra “ O
Segundo Sexo”.
O
ápice da quebra dos grilhões, ocorrera com o surgimento do
contraceptivo entrelaçado pelo movimento da contracultura dos anos
60, desvinculando-a da função procriativa, jungidos a luta pelos
direitos civis nos Estados unidos da America, reboou o grito de
liberdade com mais firmeza contra o subjugamento das mulheres.
Indubitável,
que da vez primeira, a revolução industrial alargou o campo de
labor para as mulheres, além do doméstico, mas punindo-as com árdua
dupla jornadas.
Sem
dúvida, que o divisor d”águas, foi a revolução tecnológica, da
microeletrônica, cibernética, comunicação por satélites,
velocidade dos transportes, expansão das redes de informações pela
internet, em fim, a revolução tecnológica, deu condições as
mulheres de libertar-se do jugo patriarcal, com o deslocar do poder
dos bíceps, para a conexão neuronal, captura das informações,
interpretando o mundo e remodelando-o a sua maneira de pensar e agir,
mitigou sua dependência, pois, hodierno o poder estar ao alcance de
um simples apertar de um mouse de computador.
De
outro giro, às vezes, irracionalmente irrompe em viés de violências
intrafamiliar, causa indubitável do entranhamento da cultura
patriarcal machista, como se observa no exortar da filosofa MARCIA
TIBURI(FEMINISMO EM COMUM. RJ. ED. Rosas dos Tempos. 2018.45 e 96)
“O
patriarcado se constitui por uma equação, de um lado ficam os
homens e o poder, de outro, as mulheres e a violência.”
“O
machismo se sustentou no mando, na autoridade e no autoritarismo.”
É
de se ver, sem destoar, os belíssimos ensinamentos da notável
doutrinadora, MARIA BERENICE DIAS(A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA.
– São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P.107)
“Ninguém
duvida que a violência doméstica tenha causas culturais,
decorrentes de uma sociedade que sempre proclamou a superioridade
masculina, assegurando ao homem o direito correcional sobre a mulher
e os filhos”.
Por
fim, o legislador pátrio, não é um néscio, vem acompanhando a
evolução das transformações sociais, sexuais, e dos direitos dos
homens, tendo insculpido na Magna Carta de 1988, o artigos 5.º caput
e 226 § 5.º “Os direitos e deveres referentes à sociedade
conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
Não
justifica o uso da força e truculência como método de dominação,
mas os instintos atávicos das primevas sociedades, arraigados nas
instáveis relações humanas, basta em ínfimo de segundo de um
abalo sísmico para fraturar a fina camada protetora a qual nos
separa do mundo cão, para o mergulho na barbárie sexista, do
estereotipo da mulher objeto, um prêmio em disputa entre os machos.
O
saudoso sociólogo Bayman, em belíssimo lampejos de sapientes
ensinamentos, adverte, “A casca de civilização sobre a qual
caminhamos é sempre da espessura de uma hóstia. Um tremor e você
fracassou, lutando por sua vida como um cão selvagem.(Medo Liquido,
Bauman. P. 25.)
No
dia a dia, mormente em lugares públicos, no imaginário machista,
uma mulher desacompanhada está a disposição, retorno a vetusta
sociedade endogâmica.
Sozinha
em restaurante ou bares, é observada com um objeto de conquista, mas
enquanto só, não existe estímulo, basta um macho se aproximar,
para o despertar daqueles que a espreitavam.
É
de se ver a exacerbação simbólico do erotismo-sensual arraigada na
mulher objeto, fazedor do imaginário machista, também explorado
pela mídia, propagadora da venda de desejos, mormente na festa
dionisíaca o Carnaval, uma grande rede TV exibe uma mulata seminua,
“Globeleza”, indaga-se por que não “Globelezo”, um mulato
seminu sambando.
A
par disso, é revelador a marca de uma cerveja “devassa”, e não
“devasso”, a justificar o arquétipo da mulher objeto, o
fetichismo da erotização do corpo em detrimento dos valores
intrísecos da dignidade do ser mulher.
No
vestuário também se exibe mais os corpos femininos, para as
mulheres, são exposta em vitrines, sempre com decotes, tem mostrar
uma parte do corpo; por outro lado, o vestuário masculino, são
roupas comportadas e confortáveis.
“Não
nasce mulher, torna-se mulher” exortava a filósofa francesa Simone
Beauvoir, diante de um mundo feito pelo homem, a mulher tem
refazê-lo, enfrentando as barreiras de coerções, ícones, símbolos
e tabus.
Para
instigar o debate, a filósofa e escritora criticava esse mundo
fragmentado, ambivalente, ausência de unicidade no mundo feminino, o
preto descobriu seu opressor; o amarelo Vietcong; o operário, menos
a mulher, ainda não descobriu seu opressor.
O
feminismo sem uma educação libertadora, torna-se maniqueísta, numa
inversão de pólos, o oprimido de hoje o futuro opressor do amanhã.
Importa sim, uma interação com os excluídos da partilha dos bens
da vida, mormente, Justiça.
As
vezes, o dogma machista patriarcal apresenta-se em forma de disfarce
machista, os dogmas do patriarcado arraigado, pois que adianta a
Madame Bovary, usar um tailleurs Chanel, Versace, bolsas Louis
Vuitton, e pagar uma miséria salarial a sua empregado domestica.
O
psicanalista Flávio Gicovake, em grandiosa obra “Homem sexo
frágil”, trata do inato poder de atração feminino, num
contraponto ao inferior e dependente poder erótico visual
masculino.
Por
derradeiro, ainda em harmonia, outra obra do psicanalista citado,
“Uma nova forma de amar”, um perscrutar nos atritos das relações
entre homem e mulher e como revolucionar, senão, mudando os
paradigmas, onde os opostos se atraem, substitui-se o
generoso+egoistas, por genoroso+generosos.
Manuel
Gabriel Neto
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