Por
Maíra Kubik Mano* publicado no Blog do Sakamoto
O 8 de Março é um dia de luta. Não nos
esqueçamos disso quando vierem nos entregar flores, bombons e parabéns.
Temos projetos de lei em curso no Congresso
Nacional que visam a retirar direitos das mulheres e interditá-las a terem
acesso a seus próprios corpos, como o PL
5069/2013, de autoria de Eduardo Cunha e que foi alvo de protestos no final
do ano passado.
Ainda não legalizamos o aborto, mesmo com 800
mil interrupções clandestinas ao ano realizadas no país.
A violência contra a mulher persiste e os
instrumentos para acolhê-las seguem precários, mesmo com dez anos da lei Maria
da Penha – basta ver quantos e quais são as condições dos IMLs.
A crise econômica prejudica mais as mulheres,
que são a maioria das pessoas pobres do mundo.
As mulheres continuam morrendo por conta do
machismo, e as mulheres negras muito mais do que as brancas.
A lesbofobia e a transfobia também ameaçam
vidas diariamente.
A divisão sexual do trabalho ainda pesa sobre
nossos ombros e nos coloca em uma posição socialmente inferior.
E para mudar tudo isso, como bem perceberam
as precursoras do 8 de Março, só mudando profundamente a sociedade.
Desde meados do século 19, o operariado
organizava greves para pressionar os proprietários das indústrias,
principalmente as têxteis, cuja maioria das trabalhadoras era mulheres. Em
terras norte-americanas foi registrado o primeiro Dia da Mulher, em 3 de maio
de 1908. Segundo o jornal The Socialist
Woman, “1.500 mulheres aderiram às reivindicações por igualdade econômica e
política no dia consagrado à causa das trabalhadoras”.
No ano seguinte, a data foi oficializada pelo
partido socialista e comemorada em 28 de fevereiro. Em Nova York, reuniu cerca
de 3 mil pessoas em pleno centro da cidade.
Em 1911,
ocorreu um episódio marcante, que ficou conhecido no imaginário feminista como
a consagração do Dia da Mulher: em 25 de
março, um incêndio teve início na Triangle Shirtwaist Company, em Nova
York. Localizada nos três últimos andares de um prédio, a fábrica tinha chão e
divisórias de madeira e muitos retalhos espalhados, formando um ambiente
propício para que as chamas se espalhassem. A maioria dos cerca de 600
trabalhadores conseguiu escapar, descendo pelas escadas ou pelo elevador.
Outros 146, porém, morreram. Entre eles, 125
mulheres, que foram queimadas vivas ou se jogaram das janelas. Mais de 100 mil
pessoas participaram do funeral coletivo.
Até hoje, muitas organizações e movimentos
afirmam que essa tragédia aconteceu em 1857 e por isso reivindicam o mês de
março como a data para comemorar a luta pelos direitos das mulheres. Como não
há provas nem registros de que um evento similar tenha ocorrido, essa versão
não é considerada verdadeira. Para os estudiosos, esse foi apenas mais um
acontecimento que fortaleceu a organização feminina.
De fato, o Dia Internacional da Mulher já
havia sido proposto em 1910, um ano antes do incêndio, durante a II Conferência
Internacional de Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague, Dinamarca.
Clara Zetkin, militante e intelectual alemã, apresentou uma resolução para que
se criasse uma “jornada especial, uma comemoração anual de mulheres”. A
inspiração nas trabalhadoras do outro lado do Atlântico é explícita: para
Clara, elas deveriam “seguir o exemplo das companheiras
americanas”.
Sem data definida, mobilizações anuais pelos
direitos das mulheres prosseguiram em meses distintos, em diversos países.
Em 8
de março de 1917, uma ação política das operárias russas contra a fome,
contra o czar Nicolau II e contra a participação do país na Primeira Guerra
Mundial precipitou os acontecimentos que desencadearam na revolução de
fevereiro.
O líder Leon
Trotsky registrou assim esse evento: “Em 23 de fevereiro (8 de março no
calendário gregoriano) estavam planejadas ações revolucionárias. Pela manhã, a
despeito das diretivas, as operárias têxteis deixaram o trabalho de várias
fábricas e enviaram delegadas para solicitarem sustentação da greve. Todas
saíram às ruas e a greve foi de massas. Mas não imaginávamos que este 'dia das
mulheres' viria a inaugurar a revolução”.
A situação econômica e política da Rússia era
então insustentável. Mais de 90 mil pessoas marcharam, exigindo pão e paz. Os
protestos e as greves subsequentes culminaram na queda da monarquia. Alexandra Kollontai, uma das principais
dirigentes feministas da revolução de outubro, afirmou que “o dia das operárias em 8 de
março de 1917 foi uma data memorável na história”.
Em 1921, de acordo com a pesquisadora
canadense Renée Coté, referência no
estudo da história das mulheres, o 8 de
março foi estabelecido como data oficial. Pesquisando arquivos da
Conferência Internacional das Mulheres Comunistas, ela encontrou um documento
que registrava que “uma camarada búlgara propôs o Dia Internacional da Mulher,
lembrando a iniciativa das mulheres russas”.
Lembrar é preciso. O 8 de Março é um dia de
luta. Não nos esqueçamos disso quando vierem nos entregar flores, bombons e
parabéns.
E que sua história nos sirva sempre de
inspiração para as tantas batalhas que ainda precisamos travar.
(*)
Maíra Kubik Mano é jornalista, doutora em Ciências Sociais e professora do
bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da Universidade Federal da
Bahia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário