Imagem: BDF |
Em
entrevista ao Brasil de Fato a
pesquisadora Jordana Cristina (UFMG) avalia que, se remunerado,
trabalho doméstico representaria 10% do PIB brasileiro. O Blog Gota D’Água reproduz a matéria na íntegra:
Lavar roupa, preparar as refeições, pagar as
contas, ir ao supermercado, levar as crianças à escola. Esses são alguns dos
trabalhos realizados para a manutenção de uma casa e que, invariavelmente, são
invisibilizados pela sociedade. Em 85% dos casos, essas tarefas são realizadas
por mulheres, reflexo da sociedade machista e patriarcal em que vivemos.
Dos 20 aos 85 anos, as brasileiras passam
cerca de quatro horas por dia realizando tarefas domésticas. No entanto, apesar
de não ser valorizado e nem remunerado, o trabalho doméstico tem papel
fundamental para a economia do país e gera riqueza para todos os membros da
sociedade. É o que afirma a demógrafa e pesquisadora da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) Jordana Cristina
de Jesus, autora da tese de doutorado “Trabalho doméstico não remunerado no
Brasil: uma análise de produção, consumo e transferência”. O
levantamento foi realizado com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio - PNAD.
Brasil
de Fato - Jordana, qual o objetivo da pesquisa e qual o principal resultado que
você encontrou?
Jordana
Cristina de Jesus - As
pessoas passam uma parcela significativa do tempo realizando tarefas domésticas
e embora isso seja algo extremamente importante, não é valorizado nem
remunerado. Então a pergunta que moveu a pesquisa foi: e se fosse para pagar? E
se a gente atribuísse um valor monetário para esse trabalho que ninguém percebe
que as mulheres estão fazendo, quanto isso representaria? A partir daí nós
calculamos quanto tempo de trabalho doméstico as mulheres realizam ao longo de
um ano e qual valor é pago em geral para realizar este trabalho. Com esse
cálculo, chegamos ao montante de R$580 bilhões, o que equivale a 10% do Produto
Interno Bruto (PIB) do Brasil, que é a riqueza gerada pelo país.
Você
utilizou dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios, mas também
comparou esses números com um levantamento semelhante ao PNAD realizado na
Colômbia. Por quê?
Aproveitamos
a pesquisa da Colômbia porque ela é mais detalhada na coleta dos dados. No
Brasil a PNAD pergunta somente quantas horas por semana a pessoa gasta com
trabalho doméstico. Como a pergunta é muito ampla e simples, muitas vezes as
pessoas esquecem de quantificar atividades que elas não consideram como
trabalho, como o cuidado com as crianças e idosos. Se é uma atividade que você
pode terceirizar para alguém, ela é um tipo de trabalho feito sem remuneração.
Ou seja, cuidar de alguém é sim um trabalho doméstico. Então existe uma
subnotificação nos dados brasileiros. Comparando as pesquisas brasileiras com
as da Colômbia, que é um país semelhante em população com o Brasil, conseguimos
corrigir os dados da PNAD. Para se ter uma ideia, nós calculamos que uma
criança de até 1 ano consome em média quase cinco horas diárias de trabalho
doméstico.
Na
pesquisa, você aponta que há uma transferência de tempo de trabalho das
mulheres para os homens. O que isso significa?
Quando
a gente olha para a carga enorme de trabalho doméstico que as mulheres fazem,
isso significa que elas estão fazendo para os outros. Isso que é a
transferência do tempo de trabalho. Todos, homens e mulheres, consomem em média
uma hora de trabalho doméstico por dia. Mas
as mulheres passam cinco horas do seu dia realizando essas tarefas. Ou
seja, há um saldo do que é produzido por elas. Na contramão, os homens não
fazem trabalho doméstico para ninguém. O que eles produzem, quando produzem,
atende somente seu próprio consumo.
Como
você avalia o cenário do mundo de trabalho para as mulheres, tendo em vista a
reforma trabalhista e a Emenda 95 que congelou os investimentos em saúde,
educação, moradia, etc?
Estamos
em uma conjuntura ruim para todos os trabalhadores, mas ainda muito pior para
as mulheres. Porque quando falamos em congelamento de investimentos públicos,
quer dizer que não vamos expandir creches, pré-escolas, que são locais onde as
mulheres vão poder deixar seus filhos para poder ir trabalhar. As mulheres mais
ricas conseguem terceirizar o trabalho doméstico, mas as mais pobres precisam
dar conta dessa tarefa e sem apoio institucional fica impossível combinar as
duas esferas; trabalho remunerado e doméstico. Tem uma taxa que a gente chama
de salário de reserva, que é o valor mínimo que as mulheres precisam receber
para compensar o fato delas estarem fora de casa. E com essa reforma
trabalhista, precarização e desvalorização do trabalho e congelamento de
investimentos sociais, as mulheres vão ter menos incentivos para estar no
mercado de trabalho, porque como que elas vão compensar o trabalho doméstico?
A
reforma da Previdência de Michel Temer, que pode voltar a tramitar no
Congresso, propõe, entre outros retrocessos, idade igual de aposentadoria para
homens e mulheres. Qual sua avaliação sobre essa reforma?
Quando
a gente fala de trabalho doméstico, discutir a proposta da reforma da
Previdência é um assunto urgente. Porque quando se imagina que as mulheres
alcançaram condições de igualdade com os homens e podemos colocar idade mínima
de aposentadoria igual para os dois, estamos ignorando a carga de trabalho
realizada pelas brasileiras com as tarefas domésticas. Porque quando chega no
momento da aposentadoria os homens conseguiram acumular mais tempo de trabalho
remunerado, mais renda de trabalho… E as mulheres, que ficaram fazendo os
trabalhos domésticos? Elas não vão ser consideradas? Nós não vamos levar em
conta o quanto tempo de trabalho elas dedicaram para a sociedade? Não vamos
levar em conta o quanto o trabalho doméstico limita a vida das mulheres? Não
tem como ignorar o que acontece nos domicílios e pensar propostas apenas para o
que acontece no mercado formal de trabalho. Isso é um retrocesso gigante, não
tem como dizer que chegamos a um cenário de igualdade porque há mais mulheres
no mercado, porque dentro das casas as coisas ainda não mudaram.
Edição:
Joana Tavares
Fonte:
BDF
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