Franklimberg Ribeiro de Freitas atuou como
conselheiro consultivo da empresa canadense Belo Sun Mining
Lu Sudré
Incra e Funai, órgãos essenciais para a demarcação de terras indígenas,
são alvos de desmonte no governo Bolsonaro / (Foto: Marcelo
Camargo/Agência Brasil)
O
general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas, que atuou como presidente
da Fundação Nacional do Índio (Funai) entre maio de 2017 e abril de 2018,
retornará ao cargo no governo Bolsonaro (PSL). Escolhido por Damares
Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), ele
volta a comandar a instituição e acende um sinal de alerta entre os
movimentos indígenas e indigenistas.
Durante
o segundo semestre do ano passado, poucos meses depois de pedir demissão da
Funai, Freitas atuou como conselheiro consultivo para assuntos indígenas,
comunitários e ambientais da mineradora canadense Belo
Sun Mining. Após o jornal O
Globo noticiar sua contratação em junho, a Comissão de Ética
Pública da Presidência da República determinou que ele deveria cumprir uma quarentena, período de 6 meses em que os que ocuparam altos
cargos públicos são impedidos por lei de iniciar determinadas atividades
privadas. No entanto, a orientação não foi cumprida.
A
Belo
Sun Mining encabeça um dos maiores projetos de mineração do país que
pretende, ao longo de um período de 12 anos, extrair 60 toneladas de ouro da
região da Volta Grande do Xingu, no Pará. O empreendimento afetaria diretamente
as tribos indígenas Juruna e Arara, assim como outras comunidades tradicionais
já impactadas negativamente pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte. E depende do
aval da Funai para ser colocado em prática.
Em
setembro do ano passado, a Justiça Federal suspendeu as atividades da mineradora
e designou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) a regularização do
licenciamento ambiental para início da exploração do minério. Agora, o retorno de Franklimberg à presidência da Funai com uma
importante passagem pela Belo Sun pesando em seu currículo, suscita
questionamentos em torno de conflitos de interesse e influência em prol de um
licenciamento favorável a empresa.
O
novo presidente da Funai informou ao jornal O Estado de S. Paulo que "o
projeto é factível, é viável e benéfico aos indígenas". O posicionamento
anterior da instituição, no entanto, era contrário ao projeto da Belo Sun, em
fevereiro de 2017.
Franklimberg
Ribeiro de Freitas é doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e
Estado Maior do Exército. O presidente da Funai também foi general de brigada e
assessor de relações institucionais do Comando Militar da Amazônia.
A ameaça da Belo Sun
Integrante
do Movimento dos Atingidos
pela Mineração (MAM) no Pará, Charles Trocate afirma que, além das
comunidades indígenas prejudicadas diretamente, pequenas vilas que sobrevivem
do trabalho manual dos garimpeiros desde 1935 seriam expulsas da região, mais
precisamente do território dos municípios de Senador José Porfírio e Volta
Grande do Xingu. Assentamentos da Reforma Agrária também seriam prejudicados
pela ação da empresa.
Segundo
Trocate, Dirceu Biancardi, prefeito de Senador José Porfírio, e outros
políticos da região também protagonizam articulações políticas em prol da
mineradora.
"O
prefeito é definitivamente a favor do empreendimento e tem feito lutas para
desterritorializar os garimpeiros e para enfraquecer os indígenas. Não espanta
que, de novo, o indicado para a presidência da Funai tenha ido fazer assessoria
para a Belo Sun. Não me espanta que os inimigos do empreendimento Belo Sun
sejam os indígenas”, diz o integrante do MAM. Trocate acrescenta que a
assessoria de Franklimberg à mineradora é estratégica para que a empresa
“quebre a resistência indígena local”.
Alvos dos ruralistas
A
submissão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ao
Ministério da Agricultura – decisão tomada por Jair Bolsonaro – também é
criticada por atender interesses ruralistas e enfraquecer processos de
demarcação de terras, o que atinge diretamente sem-terras, indígenas e
quilombolas.
Na
percepção de Trocate, diante desse contexto, não haverá empecilho jurídico
nenhum para que se efetive o empreendimento da Belo Sun.
“Não
há conjuntura mais eficaz para que esses projetos (que foram retardados seja
por problemas jurídicos do próprio Estado, ações do ministério Público, seja
pelo poder de crítica dos movimentos organizados da região), aconteçam.
Enfraquecido tudo isso, esses projetos ganharam uma conjuntura perfeita e se
associam ao que há de mais temível no momento atual, que é esse governo.”
Em
entrevista ao Brasil de
Fato, um trabalhador da Funai que preferiu não se identificar critica a Medida
Provisória (MP) nº 870, que mudou a vinculação administrativa do órgão do
Ministério da Justiça para o MMFDH.
“O
básico para proteger os povos indígenas é a questão territorial. Tudo parte do
território. É muito grave o que estão fazendo de tirar as atribuições da Funai
e passar para outros órgãos que não têm a expertise técnica do trabalho
indigenista, que estarão pautados única e exclusivamente por interesses
políticos. Se os indígenas estão com a questão territorial ameaçada, prejudica
qualquer trabalho que poderíamos fazer”, lamenta o servidor da Funai.
A
fonte ainda avalia que a anexação da Funai ao ministério chefiado por
Damares Alves beneficia exclusivamente as forças interessadas em explorar
territórios indígenas. “Ele [Franklimberg] está vindo alinhado com o governo.
Não está vindo para trabalhar pela demarcação, pelo contrário. Irá manter esse status quo que o governo
quer estabelecer de tirar as atribuições da Funai e, na verdade, paralisar as
demarcações”.
Ele
relembra que a passagem do general de reserva pela fundação foi alvo de
duras críticas feitas pelos ruralistas, que chegaram a enviar uma carta a Temer
pedindo sua demissão. Segundo o servidor, possivelmente, algumas demarcações de
territórios que aconteceram devido a força de decisão judicial em áreas
estratégicas para os ruralistas podem ter desgastado ainda mais a figura do
então presidente com o setor.
A
terra indígena localizada entre os municípios de Guaíra e Terra Roxa,
no oeste do Paraná, que teve seu relatóriosde identificação, um dos
primeiros passos no processo de demarcação, publicado pela Funai,
pode ter influenciado na questão. “Esses municípios são o coração dos
ruralistas: a região oeste do Paraná, na divisa com Mato Grosso do Sul. Isso
foi algo que o desgastou muito”, diz o funcionário da Funai. Ou seja, já
na gestão Temer, a orientação do governo era claramente atender aos interesses
desse setor, política que aparenta ser ainda mais intensificada sob o
governo Bolsonaro.
Em nota pública, a organização Indigenistas Associados,
reitera seu posicionamento contra a separação da Funai do Ministério da
Justiça e defende a manutenção da integralidade das funções da instituição. “Os
atos do novo governo, ao fragmentarem a Funai e alterarem arbitrariamente sua
estrutura, sem a participação dos indígenas e dos indigenistas que acumulam
anos de experiência e conhecimento técnico, desqualificam a política
indigenista e impedem que o órgão indigenista cumpra sua missão institucional
de promover e proteger os direitos indígenas em todas as suas dimensões”, frisa
o texto.
Edição: Mauro Ramos
Fonte: Brasil de Fato - https://www.brasildefato.com.br/2019/01/16/general-que-assume-funai-era-contratado-de-mineradora-em-conflito-com-indigenas-no-pa/
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