O Brasil de Fato foi às ruas para ouvir trabalhadores autônomos e os motivos que os levaram para longe do emprego formal
Bruna
Caetano
“Com
57 anos, não consigo emprego. Está difícil até para quem tem faculdade, imagina
quem tem só até o primeiro grau. Para não passar fome, resolvi trabalhar na
rua”, conta Severina, paraibana que veio a São Paulo há 30 anos para tentar
ganhar a vida. Trabalhou em fábrica de plástico, de bolsas e como prensista.
Hoje, vende frutas no Largo 13 de Maio, no distrito de Santo Amaro, zona sul da
capital paulista.
A
cidade é um dos maiores polos de migração do Brasil, e reflete a realidade
das condições de trabalho no país. O Brasil de Fato foi
às ruas para ouvir essas pessoas.
Severina
é uma entre os 2,5 milhões trabalhadores e trabalhadoras autônomas da
região metropolitana, conforme dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) realizada em
novembro de 2018 pelo Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). No Brasil,
são cerca de 19,1 milhões de pessoas trabalhando por conta própria sem CNPJ, e
18,8 milhões sem registro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-Contínua),
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre
setembro e novembro de 2018.
O
desemprego diminui a passos curtos, enquanto a informalidade cresce. São
1,1 milhão de pessoas a mais trabalhando por conta própria e/ou sem carteira
assinada em relação ao mesmo período do ano anterior, o que significa um maior
número de trabalhadores desprotegidos das garantias da legislação trabalhista. “Não temos férias, nem
13º salário, não temos nada. Ganhamos para comer. Ganho hoje, e amanhã compro
mercadoria para trabalhar. Assim vai indo” reclama Severina.
O presidente
eleito, Jair Bolsonaro (PSL), entende que a legislação trabalhista "tem de se aproximar da
informalidade".
Atualmente,
a carteira de trabalho garante vale-transporte, férias, faltas sem desconto do
salário, adicional noturno, 13º salário e FGTS. Além disso, garante a contribuição para a Previdência
Social. Para Clemente Ganz, diretor técnico do Dieese, os que optam pelo
trabalho autônomo não levam em consideração a seguridade social, que
inclui a proteção em termos de saúde e a licença maternidade.
Ao
não contribuir para a Previdência Social, não contribuem também para sua
aposentadoria. “Criamos
nos últimos anos mecanismos que facilitam o acesso dessas pessoas
[trabalhadores informais] a uma participação contributiva, mas há uma falta de
cultura previdenciária e uma desqualificação da previdência, que a iniciativa
da Reforma da Previdência acaba promovendo.”
Francisco
José dos Santos, 57, vive em uma situação semelhante a de Severina. Vindo de
Alagoas a procura de emprego, trabalhou como ajudante de pedreiro, e hoje vende
amendoim também no Largo 13. Analfabeto, não consegue um trabalho formal e
sente falta do salário fixo e da carteira assinada para conseguir se aposentar.
“Meu salário depende do mês, essa semana não vendi nem R$ 100.”
A
taxa de desocupação chegou a 11,6% entre setembro e novembro do ano passado, ou
seja, são 12,2 milhões de pessoas sem emprego no país de acordo com o PNAD.
Jaqueline Gomes, 18, compõe essa estatística. Ela procura emprego há 2 anos,
mas tem encontrado dificuldade para entrar mercado de trabalho. Por conta
disso, resolveu ajudar sua mãe vendendo café da manhã na rua.
“Todo
mundo sente falta dos benefícios da CLT.
A maioria das pessoas que trabalham na rua não trabalham porque desejam, mas
não conseguimos empregos. Quem consegue, sai da rua. Isso é lógico”, diz
Richard Mahognon Akpahou, intercambista vindo de Benin, na
África, há 4 anos.
Akpahou
conta que a crise econômica fez com que ele fosse demitido do emprego de
carteira assinada após 3 meses. A saída para continuar pagando a faculdade e o
aluguel foi começar a trabalhar vendendo roupas na rua, ganhando cerca de um
salário mínimo por mês.
Além
da instabilidade de salários e falta de garantias da CLT, os ambulantes relatam
ainda que precisam são obrigados cotidianamente a retirar suas mercadorias
das ruas às pressas para fugir da fiscalização e da polícia.
Reforma trabalhista
Para
Ganz, a maioria dos postos de trabalho no Brasil possuem condições precárias:
baixos salários, alta rotatividade e sistema protetivo insuficiente, o que se
aprofunda a partir da Reforma
Trabalhista de Michel Temer (MDB), e que o presidente Jair Bolsonaro (PSL)
pretende intensificar. Contudo, a maioria das pessoas ainda prefere a segurança
do trabalho formal. “Uma parte considerável dos trabalhadores gostariam de
ter um emprego formal, seguro e uma renda garantida. Infelizmente, a maioria
não consegue porque a precarização no mercado de trabalho é muito grande e a
rotatividade é alta nos postos de trabalho menos qualificados”
A
lógica usada por Bolsonaro é que “é difícil ser patrão no Brasil”. Assim, para aumentar o
número de vagas, é necessário flexibilizar os direitos trabalhistas “[O setor
produtivo é que] têm dito, não sou eu, que o trabalhador vai ter que decidir:
um pouquinho menos de direitos e emprego para todos ou todos os direitos e
nenhum emprego” afirmou em entrevista coletiva a jornalistas na saída do Centro
Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde funcionava o gabinete de transição.
Segundo
estatísticas do Ministério do
Trabalho - recém-extinto pelo presidente - apenas 756 mil postos de emprego
foram criados de janeiro a novembro de 2018. Por outro lado, entre dezembro de
2014 e dezembro de 2017, 2,9 milhões de empregos com carteira assinada foram
perdidos. Ganz aponta que a Reforma favorece que os empresários formalizem os
trabalhadores sem carteira assinada, já que precariza as condições de trabalho
e facilita o processo de contratação por um custo menor.
Caminho oposto
Com
a retirada de direitos, alguns trabalhadores preferem se estabelecer em um
emprego autônomo para não ficarem submetidos a um patrão e a um salário baixo,
conseguindo ainda assim arcar com os custos dos benefícios da CLT. “Trocar um
posto [de trabalho] onde se conseguiu uma clientela tem um custo muito alto. É
trocar essa “segurança” pela “insegurança” de um posto de trabalho formal com
baixo salário e podendo ser demitido.”
Além
disso, de acordo com o técnico do Dieese, muitas pessoas buscam o trabalho
informal como uma maneira de ter maior autonomia, podendo conseguir ganhar mais
que em um emprego formal e ser bem sucedido.
Esse
é o caso de Marcos Paulo Benício, que possui uma barraca de comida na Barra
Funda, zona oeste de São Paulo (SP). Após ser demitido de seu emprego, no
escritório de um banco, resolveu começar a trabalhar autonomamente vendendo
pizza na saída de uma grande faculdade privada em 2013, inspirado pela
lembrança de um vendedor de comida em sua época de universitário.
Seu
caso deu certo, mas também teve seus altos e baixos após a crise
econômica. “Entre 2016 e 2018 foram decaindo [as vendas], como tudo no
Brasil. Muitos alunos trancaram o curso e muita gente começou a trabalhar na
rua por dificuldade de arranjar emprego.” Segundo ele, a concorrência era
pouca, mas aumentou nos últimos anos. Para compensar, ele vende também almoço.
Rodrigo
Gledson, de 40 anos, começou a trabalhar vendendo mercadoria em transporte
ferroviário na antiga Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) quando tinha
apenas oito anos. Escondido dos pais, vendia sorvete e usava o dinheiro para
fazer trabalhos de escola, comprar lanche ou até jogar fliperama. Hoje, possui
um emprego formal, mas ainda trabalha nos trens da CPTM para obter uma renda
extra, além de se preocupar com a instabilidade do mercado de trabalho. “Você
tem que provar que é o melhor, perfeito, e que não vai ter problema de saúde ou
na família para a empresa te manter.” Ele acredita que o trabalho nos trens
deveria ser legalizado, mesmo que fosse paga uma taxa para o governo.
Bolsonaro,
eleito com um discurso neoliberal apoiado no ministro da economia Paulo Guedes,
afirmou em sua primeira entrevista após assumir o pleito que “o Brasil é um
país com direitos em excesso”. Durante uma reunião com deputados do DEM, em
dezembro de 2018, falou que a legislação trabalhista precisa se aproximar da
informalidade, e quer criar a carteira
de trabalho “verde e amarela”, que coexistiria com a CLT comum, mas com
regras de trabalho ainda mais flexibilizadas.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira
Fonte: Brasil de Fato - https://www.brasildefato.com.br/2019/01/16/retratos-da-precarizacao-os-caminhos-que-levam-brasileiros-a-informalidade/
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