Texto que flexibiliza posse de armas não atende às
demandas dos eleitores que clamam por autodefesa nem abranda as preocupações de
boa parte da sociedade civil. Medida mantém boa parte dos critérios atuais.
O presidente brasileiro Jair Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que flexibiliza a posse de armas
nesta terça-feira (15/01). A liberação de armas para todos os "cidadãos de
bem" foi uma das suas principais promessas de campanha, que lhe valeu
milhões de votos. Mas o decreto não é a grande mudança esperada pelos
seus apoiadores.
"Os defensores das armas queriam uma liberação
geral, mas por hora o presidente conseguiu desagradar todo mundo", afirma
Milena Risso, da ONG Instituto Igarapé.
O decreto mantém a maioria dos critérios válidos
até agora para a posse e porte de armas. "O presidente está mudando
as normativas que não dependem da autorização do Congresso", explica
Risso. A liberação geral da aquisição e do porte de armas em público, temida
por boa parte da sociedade civil e acalentada por pessoas favoráveis à posse de
armas, só pode ser decidida pelo Congresso, explica a ex-diretora do Instituto
Sou da Paz.
O decreto se refere apenas à posse e não altera nada
em relação ao porte de armas. Os critérios básicos para a posse continuam
valendo: a idade mínima de 25 anos, não ter sido condenado ou estar respondendo
a processo criminal ou inquérito policial, a realização de aulas de tiro e
a submissão a um teste psicotécnico.
Porém, até agora, quem decidia se o requerente
realmente tinha a necessidade de possuir uma arma era a Polícia Federal. O
primeiro governo Lula introduziu esse critério em 2005, e, segundo Bolsonaro,
tornou praticamente impossível a obtenção de uma licença de posse. "E o
grande problema que tínhamos na lei é a comprovação da efetiva necessidade, e
isso beirava a subjetividade", disse o presidente na terça. Segundo ele,
essa situação acabou.
"Uma das reclamações históricas do lobby das
armas, das pessoas que querem ter armas, é que a Polícia Federal tinha uma
grande discricionariedade para dizer quem tem efetiva necessidade ou não",
especifica Risso. "O decreto traz objetividade para esse aspecto, dizendo
o que é efetiva necessidade", avalia.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, elaborou novos
critérios, segundo os quais a arma precisa ser guardada em local seguro – de
preferência num cofre. Além disso, a aquisição de armas em áreas urbanas é
vinculada às taxas estaduais de assassinato, que precisam ser superiores a dez
mortes por 10 mil habitantes – uma taxa alcançada por todos os
estados brasileiros.
Mesmo assim, o presidente da Confederação de Tiro e
Caça, Fernando Humberto H. Fernandes, considera a exigência dessa
taxa inconstitucional e também diz não gostar da ideia do cofre.
"Isso é contra a lei e contra a Constituição. Querem que bote cofre
na casa – isso é uma besteira", critica. "O Moro não entende de
arma", resume.
Fernandes conhece Bolsonaro do Exército e
fez campanha para o presidente para que, finalmente, os "cidadãos de
bem" pudessem andar armados e fossem capazes de enfrentar os criminosos
nas ruas. Na reta final, porém, Fernandes enviou advertências às contas de
Bolsonaro no Twitter e no Facebook. O presidente estaria correndo risco de
decepcionar seus eleitores no início do mandato, dizia.
"Ele prometeu liberar as armas para ser
mais fácil comprar. Ou seja: nós queremos o mesmo direito que o povo da
Argentina tem, de comprar um fuzil ou uma pistola. O direito que o povo da
Europa tem", argumenta.
A realidade é outra. Apenas cidadãos abastados
conseguem se dar o luxo de obter uma licença de tiro. Além disso, a
regulamentação do mercado de armas é tão severa que quase só é
possível comprar armas produzidas no Brasil. A importação de armas baratas e
qualitativamente melhores é impedida pelos militares, lamenta Fernandes.
"Os militares brasileiros têm medo do seu povo armado", afirma.
A forte influência dos militares no governo – sete
dos 22 ministros, além do vice-presidente Hamilton Mourão – poderia impedir que
Bolsonaro cumprisse sua promessa para a liberação geral de armas de fogo,
teme Fernandes, para quem esta é a única possibilidade de controlar a violência
endêmica.
"Você só para um homem do mal com uma arma com
um homem do bem com uma arma", acredita Fernandes. "Tem que ter nos
locais gente armada", continua.
"Solução são menos armas", diz Milena
Risso, do Instituto Igarapé
Mas, para Risso, do Instituto Igarapé, está provado
que a solução não são mais, mas menos armas. "O maior controle e
restrição ao acesso de armas de fogo no estado de São Paulo trouxe uma redução
de mortes na casa dos 30%", argumenta a especialista, para quem uma
evolução semelhante também pode ser alcançada nacionalmente.
Além disso, Risso defende uma melhora no controle
das armas que já estão em circulação. Apesar de várias iniciativas, tanto do
Legislativo quanto do Executivo, não existe um banco de dados geral sobre a
totalidade das armas que circulam no país. "Mas, no tempo das armas, o que
importa não está sendo tratado: como é que vamos implementar os mecanismos de
controle, que nunca foram implementados? Só isso vai dar alguma capacidade para
enfrentar o crime organizado", afirma.
Fonte:
Deutsche Welle - https://www.dw.com/pt-br/com-decreto-sobre-armas-bolsonaro-desagrada-apoiadores-e-cr%C3%ADticos/a-47100212
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