Imagem: Daniel Filho |
Decisão da 38ª Vara Federal foi deferida a tutela de urgência em relação à vacinação da Comunidade Angico Pankararu.
Em síntese, os autores informam que, embora a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) tenha promovido a vacinação de indígena da etnia Pankararu, a Comunidade Indígena que vive tradicionalmente na Aldeia Angico, localizada no Município de Petrolândia/PE, não foi, até o momento, contemplada pelo Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19 (Sars-CoV-2).
A seguir, decisão na íntegra:
PROCESSO Nº: 0800243-17.2021.4.05.8303 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL AUTOR: MANOEL GENESIO DOS SANTOS ADVOGADO: Isan Almeida Lima e outro RÉU: ADVOCACIA GERAL DA UNIAO e outro 38ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)
DECISÃO
Trata-se de ação ordinária com pedido de tutela de urgência proposta pelo Povo Pankararu da Aldeia Angico, representado pela autoridade legitimada pela comunidade, Eraldo pereira e pelo Pajé Manoel Genésio dos Santos em face da União, cujo objetivo é a obtenção de provimento judicial no sentido de que a ré seja condenada a promover, no prazo de 48 horas, a primeira dose da vacinação do Povo Pankararu da Aldeia Angico, e, no prazo necessário, a segunda dose da imunização. Em síntese, os autores informam que, embora a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) tenha promovido a vacinação de indígena da etnia Pankararu, a Comunidade Indígena que vive tradicionalmente na Aldeia Angico, localizada no Município de Petrolândia/PE, não foi, até o momento, contemplada pelo Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19 (Sars-CoV-2). Intimado para apresentar manifestação, o MPF, aduziu, em suma que: a) um eventual provimento judicial apenas contra a União poderia não surtir efeito caso o Governo Estadual não venha a promover a distribuição das doses necessárias ao Dsei, de modo que a efetividade do processo depende da vinculação do Estado de Pernambuco ao comando judicial. Fica evidenciada a legitimidade do Estado de Pernambuco para compor o polo passivo da presente demanda, sendo necessária a sua inclusão no polo passivo; b) Embora a terra ocupada pelos indígenas da Comunidade Angico Pankararu não seja Terra Indígena ou área de reserva, a comunidade existe e vive de modo tradicional (conforme se pode verificar, por exemplo, pelo registro em vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=Z6rGToQ7vio), como exige a Constituição da República; c) o argumento apresentado pelo Dsei/PE em resposta à notificação do MPF, distinguindo e separando a população indígena, reduzindo sua condição étnica ao fato de residir ou não em uma terra indígena demarcada, vai de encontro aos direitos fundamentais conferidos pela Constituição, pela OIT e por normas infraconstitucinais, além de descumprir a decisão do Ministro Roberto Barroso da data 16/3/2021, âmbito ADPF n.º 709.
É o que importa relatar. Decido.
Quanto ao pedido de tutela de urgência, o novo CPC assim dispõe em seu art. 300, verbis:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
A possibilidade de concessão de tutelas provisórias em caráter liminar, com fundamento em urgência, está expressamente prevista no art. 300, § 2º, do CPC. Nos casos de urgência, ainda, mais do que em caráter liminar, a tutela provisória pode ser concedida em caráter antecedente, isto é, antes mesmo de que tenha sido formulado o pedido principal, ou antes de que ele tenha sido formulado já com a fundamentação completa, como se vê dos arts.
303 e 305 do CPC.
Em síntese, em casos de urgência, a tutela provisória pode ser deferida em caráter antecedente ou, já no processo principal, em caráter liminar, antes que tenha sido citado o réu.
Pois bem.
I. Inclusão do Estado de Pernambuco no polo passivo
Inicialmente, diante da explanação do MPF sobre as competências quanto ao processo de imunização da população, tenho que merece guarida o pleito para inclusão do Estado de Pernambuco no polo passivo da demanda.
Com efeito, o provimento judicial aqui conferido será melhor efetivado, na medida em que compete aos Estados repassar os imunizantes aos Municípios e aos Distritos Sanitários.
Transcrevo trecho da manifestação do MPF sobre as competências administrativas envolvidas no processo de imunização:
"A vacinação contra a Covid-19 é realizada de acordo como PLANO NACIONAL DE OPERACIONALIZAÇÃO DA VACINAÇÃO CONTRA ACOVID-19, atualmente em sua 5ª versão.
Conforme as diretrizes do plano, a aquisição dos imunizantes é realizada pela União, por meio do Ministério da Saúde, que os repassa aos Estados-Membros, incumbidos de repassar de forma proporcional aos Municípios e aos Distritos Sanitários.
A vacinação da população em geral é, portanto, realizada pelo Sistema Único de Saúde, enquanto que a dos indígenas é promovida pelo Dsei respectivo, por meio do SiasiSUS.
Assim, uma vez que a União inclua a comunidade indígena no rol de prioritários para a vacinação contra a Covid-19 e os cadastre no SiasiSUS, será atribuição do Estado de Pernambuco, a partir do recebimento dos imunizantes disponibilizados pelo Governo Federal, encaminhar ao Dsei/PE o quantitativo de doses necessárias para a vacinação dos indígenas que compõem a Comunidade Angico Pankararu".
Assim, necessária a inclusão do Estado de Pernambuco no polo passivo da demanda.
II. Tutela de urgência
II.I Probabilidade do direito
A probabilidade do direito dos autores está evidenciada, porquanto trata-se de comunidade indígena, cujas medidas de proteção e prevenção ao contágio da Covid-19 estão previstas na Lei n. 14.021/2020. Vejamos:
Art. 1º Esta Lei institui medidas de vigilância sanitária e epidemiológica para prevenção do contágio e da disseminação da Covid-19 nos territórios indígenas, cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas, prevê ações de garantia de segurança alimentar, dispõe sobre ações relativas a povos indígenas isolados e de recente contato no período de calamidade pública em razão da Covid-19, estipula medidas de apoio às comunidades quilombolas, aos pescadores artesanais e aos demais povos e comunidades tradicionais para o enfrentamento à Covid-19 e altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 , a fim de assegurar aporte de recursos adicionais nas situações emergenciais e de calamidade pública.
§ 1º Estão abrangidos pelas disposições desta Lei:
I - indígenas isolados e de recente contato;
II - indígenas aldeados;
III - indígenas que vivem fora das terras indígenas, em áreas urbanas ou rurais;
IV - povos e grupos de indígenas que se encontram no País em situação de migração ou de mobilidade transnacional provisória;
V - quilombolas;
VI - quilombolas que, em razão de estudos, de atividades acadêmicas ou de tratamento de sua própria saúde ou da de seus familiares, estão residindo fora das comunidades quilombolas;
VII - pescadores artesanais;
VIII - demais povos e comunidades tradicionais.
(...)
Art. 2º Os povos indígenas, as comunidades quilombolas, os pescadores artesanais e os demais povos e comunidades tradicionais serão considerados como grupos em situação de extrema vulnerabilidade e, portanto, de alto risco e destinatários de ações relacionadas ao enfrentamento de emergências epidêmicas e pandêmicas.
Vê-se, pois, que a Comunidade Indígena autora é considerada de extrema vulnerabilidade, cabendo a imunização de forma prioritária, segundo o entendimento que se pode extrair da disposição normativa citada.
Ademais, como bem apontado pelos autores e pelo MPF, no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 709, especificamente em relação ao pedido de garantia de vacinação, no dia 16 de março de 2021, o Ministro Roberto Barroso proferiu nova decisão cautelar e determinou prioridade na vacinação dos povos indígenas localizados em terras não homologadas. Ou seja, o Min. parece ter reconhecido em sua decisão que a qualidade de indígena, por si só, é suficiente para a concessão da prioridade de vacinação. não cabendo a nenhuma outro agente (judicial ou administrativo) rediscutir entendimento do C. STF.
A matéria, assim, não possui qualquer complexidade jurídica que enseje grandes divagações. A lei estabeleceu em abstrato seus mandamentos e o judiciário já pacificou as controvérsias que poderiam surgir no tema específico em análise. Enfim: indígenas, aldeados ou não, possuem prioridade, se não por questões técnicas - o que neste caso apenas se admite a título de argumentação -, por questões de decisões políticas, corporificadas na norma analisada.
II.II. Perigo da demora
O perigo de dano se consubstancia, como acertadamente pontuado pelo MPF, no fato de que a comunidade indígena possui maior vulnerabilidade e, por consequência, risco de óbito. Ademais, há notória precariedade de saúde do local (comunidade indígena rural).
Isso posto, DEFIRO o pedido de Tutela de Urgência, para determinar que o Estado de Pernambuco e a União garantam a distribuição das doses necessárias para a vacinação prioritária de toda a comunidade autora, no prazo de até 20 (vinte) dias, sob pena de multa diária no valor R$ 50,000 (cinquenta mil reais), valor que, em comparação
com o valor médio de uma diária de UTI (unidade de terapia intensiva), mostra-se especialmente adequado.
Inclua-se o Estado de Pernambuco no polo passivo da presente demanda.
Intimem-se as partes dessa decisão e, na oportunidade, CITE-SE os réus para, querendo, apresentar contestação no prazo legal.
Apresentando a defesa preliminares ou documentos novos, intime-se o demandante, para, querendo, impugná-la, devendo especificar justificadamente as provas que ainda deseje realizar, sob pena de preclusão.
Defiro o pedido de gratuidade judiciária, porquanto não vislumbro, neste momento, elementos que evidenciem a falta dos pressupostos para sua concessão, ressaltando-se a presunção de veracidade da alegação de insuficiência deduzida pela pessoa natural (art. 99, §3º do CPC).
Serra Talhada, data da validação.
Felipe Mota Pimentel de Oliveira
Juiz Federal da 38ª Vara/SJPE
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