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MEXENDO
A MASSA DESDE OS 12
José
Evanci, também morador de Nova Petrolândia, tem 27 anos. Nasceu
em Poço Redondo, Sergipe, e, também aos dois, mudou com a família para
Petrolândia, em busca de melhorar a vida. Para sustentarem os cinco filhos, o
pai arranjou serviço de pedreiro e depois virou pescador, enquanto a mãe foi
trabalhar de empregada doméstica.
Aos 12 anos, “pra não ficar sem fazer nada”,
José Evanci começou a ajudar o pai nas obras. Revezava os períodos do dia com
seu único irmão menino: enquanto um ia à escola, o outro ia trabalhar. “Botava tijolo pro meu pai, mexia uma
massinha… fui crescendo e consegui emprego num supermercado. Fazia entrega,
colocava mercadoria nas prateleiras. Depois, fui para uma loja de agricultura.”
Em 2012, soube por um amigo de um emprego na
construção da Arena Grêmio, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Ficou nove
meses exercendo a função de armador, como é chamado o profissional responsável
por fazer armações para pilares, vigas e lajes. “Deu
tudo certo, graças a deus. Tinha alojamento, tudo direitinho, a obra era toda
organizada”. De volta à Petrolândia, com o dinheiro
juntado, José Evanci reformou a casa da mãe, comprou uma moto e um terreno. “Nunca bebi, nunca fumei, não gosto de
festa, uso o dinheiro pra melhorar a vida mesmo”,
conta.
Alguns meses depois, avisaram-no de um
trabalho no Recife, capital do Estado. Quando faltavam poucos dias para a
viagem, o destino mudou. As vagas eram em Guarulhos. “Como estava tudo pronto, todo mundo
concordou em ir”, lembra José Evanci, então com 25 anos.
VIAJAR
PARA SUSTENTAR A FAMÍLIA
José
Hildo, de 25 anos, cresceu ajudando a família na roça, na zona
rural de Glória, na Bahia. Plantavam feijão, milho, melancia, para comer e
vender. Mas a vida não era fácil. Aos 18 anos, para tentar ganhar um dinheiro a
mais e contribuir em casa, começou a trabalhar em construção civil… e a viajar.
Primeiro, foi a Salvador, capital baiana.
Depois, tomou o rumo do Recife. Poucos meses depois de completar 23 anos,
casado, com um filho de um ano e com a esposa grávida de poucos meses, recebeu
um telefonema de um colega pedreiro que estava em uma obra em Guarulhos. Tinha
trabalho por lá.
PROMESSAS
TENTADORAS
A partir do momento em que ficaram sabendo da
oportunidade de emprego no estado mais rico do país, os três jovens de nome
José, três trabalhadores nordestinos em busca de uma vida melhor, também passaram
a compartilhar experiências praticamente idênticas. Do aliciamento de mão de
obra – que, por sua vez, configura tráfico de pessoas – à submissão ao trabalho
escravo. Táticas de enganação e exploração reveladoras do modo de agir
característico de quem comete esses crimes.
José
Alex
e José Evanci, inclusive, foram
contatados pessoalmente pelo mesmo homem, chamado Luciano, que falava em nome da OAS.
José Hildo recebeu a proposta de
trabalho por telefone, de um homem do qual não lembra o nome. Ao trio, e às
outras dezenas de trabalhadores, foram feitas as mesmas promessas: emprego com
carteira assinada nas obras de ampliação do aeroporto de Guarulhos, salário em
torno de R$ 1.400, e alojamento, café da manhã e almoço fornecidos pela
empreiteira. Ao funcionário da OAS responsável pelo contato, deveriam pagar R$
450: R$ 250 pela viagem, R$ 200 pelo agenciamento. “Pagamos
feito uns abestalhados”, lamenta José Alex.
Os cerca de 2,2 mil quilômetros que os
separavam de Guarulhos não foram percorridos como o prometido. Em vez de um
ônibus confortável e em boas condições de manutenção, o veículo fretado com o
dinheiro dos operários estava em péssimo estado. José Alex e José Evanci
viajaram juntos. Ambos não se esquecem das três ou quatro vezes em que o
coletivo quebrou no meio da estrada, uma delas até com um princípio de
incêndio.
PROMESSAS
QUEBRADAS
Três ou quatro dias depois, já no destino
final, os trabalhadores começaram a ver as promessas sendo descumpridas uma a
uma. Após o exame médico, foram informados que não trabalhariam imediatamente e
que teriam de esperar alguns dias para serem chamados. Tampouco havia
alojamento. Segundo José Alex e José Evanci, somente então Luciano, o agenciador, começou a
procurar casas para alugar na região do aeroporto. Achou uma numa favela local.
Foram dias intermináveis. Quase 40 homens
amontoados em uma única residência, sem colchões, lençóis e cobertores
suficientes. As condições de higiene eram precárias, e em nenhum momento a OAS
forneceu alimentação. “Fomos
comprando comida. Ficamos três dias só no pão com mortadela e água”,
conta José Alex. No quarto de José Evanci, havia oito pessoas no total. “O pessoal dormia em cima de colchão,
papelão, pano”, relembra. “Sair
de Petrolândia pra ficar nessa situação? Se, pelo menos, a gente fosse
registrado, poderia procurar outra casa pra ficar”,
reforça José Alex.
Alguns dias depois, descobriram o restaurante
de uma senhora, que sugeriu que pagassem pelas refeições somente quando fossem
registrados. Mas os dias foram passando sem novidades, e a dona do
estabelecimento avisou: “Não
vai dar mais, estou lisa, não dá pra comprar comida”.
José Alex ligou para a mãe, que mandou R$ 50. Outros também contribuíram, e o
fornecimento pôde ser retomado.
Cerca de duas semanas depois, mais 17 homens
chegaram para ficar na casa, agravando as condições de moradia. Quase
terminando o primeiro mês desde o desembarque em Guarulhos, os trabalhadores se
revoltaram com o agenciador. Teve início um bate-boca. Exigiram que ele levasse
comida ou devolvesse o dinheiro dado em Petrolândia, para que pudessem voltar
para casa. Luciano disse que não daria para fazer o reembolso porque já havia
comprado um carro.
Foi então que três dos homens foram até o
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de
Guarulhos (Sindcongru) e à
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP) denunciar as condições a que
eram submetidos. No total, após alguns dias de fiscalizações em algumas casas
no entorno do aeroporto, os auditores fiscais da SRTE resgataram 111
trabalhadores. As condições degradantes do alojamento, o tráfico de pessoas
e a servidão por dívida foram determinantes para a caracterização de trabalho
escravo.
José Alex, José Evanci e José Hildo, assim
como os demais 108 homens, foram
hospedados em um hotel, com as despesas pagas pela OAS. Foram registrados e, em seguida, demitidos pela empreiteira,
que pagou todas as obrigações previstas e as verbas rescisórias. Só restava
agora voltar para casa, dessa vez num ônibus em boas condições de manutenção.
A partir do momento em que desceram do
coletivo e botaram o pé no chão de suas respectivas cidades, os três jovens
chamados José tomaram rumos distintos na vida.
Bairro onde três dos alojamentos foram encontrados no distrito de Cumbica.
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VOLTAR
A SÃO PAULO
Com pouco mais de R$ 6 mil na conta e com três meses de seguro-desemprego garantido,
José Alex ficou um tempo parado após a volta à casa da mãe. Gastou todo o
dinheiro rapidamente. “Fui
comprando roupa, gastando, sem pensar”, conta, rindo.
Alguns meses depois, um amigo que era motorista nas obras da transposição do
rio São Francisco tocadas pela empreiteira S.A.
Paulista o indicou para trabalhar como servente de pedreiro. “Só registrava se fosse na peixada”,
diz, explicando o termo: “No conhecimento, na indicação”.
Lá, ficou um mês e vinte dias, quando foi
demitido. “Recebi direitinho, mas
um pessoal disse pra eu pôr na Justiça, por quebra de contrato. Quando o meu
amigo pediu demissão para fazer outra coisa, toda turma que ele arrumou foi
mandada embora. E meu contrato era de 60 dias, mas me botaram para fora antes.”
José Alex, então, voltou a procurar emprego. “Mas aqui é meio parado. Só com
conhecimento”. Até que o irmão do padrasto o chamou
novamente, dessa vez para ajudá-lo a instalar sistemas de câmeras de
vigilância. Um tempo depois, abriu uma autorizada de máquina de lavar e, como
não conhecia completamente o novo serviço, José Alex ficou novamente
desempregado.
Nesse meio tempo, ele e os demais
trabalhadores submetidos à escravidão pela OAS que eram de Petrolândia entraram
com ações individuais contra a empreiteira. Após acordo, todos receberam uma
indenização monetária. José Alex ficou com cerca de R$ 10 mil, que, dessa vez, investiu em um terreno que a mãe havia
comprado e doado aos filhos. “Bati
o alicerce do terreno, e com o restante do dinheiro comprei uma moto.”
Atualmente, sem ter mais trabalhos em vista,
o pernambucano de Águas Belas considera ir mais uma vez a São Paulo. Outro
irmão do padrasto, morador de Guarulhos, prometeu arranjar-lhe um emprego numa
metalúrgica local. “Tô
topando qualquer coisa, o importante é trabalhar. Minha mãe daria o dinheiro
para a viagem, porque o que eu recebi acabou”. Ele
explica que no futuro pretende construir um mercadinho no terreno que herdou. “Já quero levantar as paredes, deixar
ele pronto para comprar prateleiras e começar.”
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