É correto exigir título de eleitor para fazer cadastro e garantir atendimento médico? Cabe a gestores e servidores públicos promover juízo de valor quanto ao domicílio eleitoral daqueles que necessitam de serviço público? Mas, afinal, quem são as pessoas “acusadas” de burlar o sistema para ter atendimento em um município residindo em outro?
POLÊMICA, QUESTÃO TERRITORIAL E DESCASO POLÍTICO
Muito se debateu na última semana sobre ser correto ou errado a secretaria de saúde exigir como um dos documentos para o cadastro o título de eleitor. Nossa reportagem (link ao final dessa matéria) mostrou que, por compreensão do MPPE à decisão semelhante em Jucati, tal decisão fere princípios da universalidade do acesso e da unicidade do Sistema. Mas levantou-se ainda a narrativa, de fácil adoção à primeira leitura, de que "os recursos municipais são para seus munícipes e ofertar a outros fará falta aos seus". Então é preciso compreender que parcela da população está inserida nessa situação desconfortável de acusada a "burlar e violar do direito do outro".
A questão territorial dessa área é antiga. Dezenas de famílias nasceram, moram e votam em Petrolândia, mas, geograficamente, foram assentadas, ganharam seu “pedaço de chão”, num território que, no papel, pertence à Tacaratu (porém, longe do município e dos serviços públicos dessa cidade).
Soma-se as dificuldades sociais dessas famílias, como falta de assistência, de transporte público, a inexistência de um debate e deliberações políticas sérias relacionadas à territorialidade, direitos e deveres dos respectivos gestores, o constrangimento de constantemente terem serviços negados e ou prestados com o preconceito forjado pelas fronteiras.
Por anos as gestões fecharam os olhos, afinal, um município fica com repasses financeiros, o outro com os votos.
O relato a seguir é de uma mãe, agricultora e assentada que se considera petrolandense, mas tem sua agrovila localizada no território vizinho:
“Eu
moro em uma das comunidades do assentamento Antônio Conselheiro.
Aqui a gente passa por umas dificuldades quando precisamos de alguns
serviços públicos, pelo fato de moramos no município de Tacaratú.
O problema é que por aqui ser muito próximo de Petrolândia a gente
se movimenta mais em Petrolândia.
Grande parte das pessoas
daqui votam em Petrolândia, mas sempre que recorremos a alguns
serviços de lá passamos vexame ao mostramos nossos comprovante de
residência.
Já em Tacaratu o atendimento não é muito
diferente. Quando chegamos lá com endereço daqui, mas o título
eleitoral é de Petrolândia aí ouvimos muitas piadinhas e alguns
serviços nos são negados, como por exemplo foi o caso do cadastro
do Bolsa Família em Tacaratu. O INCRA exigiu que se transferissem os
cadastros para Tacaratu, mas em Tacaratu impediram, pois os títulos
de eleitor eram de Petrolândia. Precisou reunir um grupo, ameaçar
ir ao Ministério Público. Terminaram por fazer, com má vontade,
mas fizeram.
Algumas
coisas estão mudando. Até o ano passado se a gente precisasse de
exames, como preventivo ou outro mais caro, por não ter o título de
eleitor lá, não fazia, aí chegamos aqui em Petrolândia recorrendo
a esse serviço com endereço de Tacaratu também não faz...fica
difícil pra gente. Um oferece algumas coisas, outro município
oferece outras, mas nunca temos o direito como tem que ser.
Penso
que os gestores dos dois municípios devem conversar a respeito dessa
situação pois somos cidadãos e não podemos ficar assim.”
O relato, que nos foi enviado hoje após repercussão das matérias, representa a angústia de aproximadamente 150 famílias que estão a mercê de uma decisão política que, até aqui, ainda não saiu.
Há a compreensão, por parte deles, de que um município não pode arcar com os munícipes vizinhos, mas também a revolta de estarem se sentindo prejudicados por não haver uma revisão de decisões políticas e territoriais que definam de vez a situação desses assentados.
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